sexta-feira, setembro 2

(Sete)tembro quinque

Vejo uma moldura
que ressuscita um momento:
um colo, um mimo ou um beijo.
Que se perderam no tempo, mas
que se eternizam no meu pensamento.
(Na minha memória) não te deixo estar deitado,
vejo-te alto como uma montanha
que no horizonte mima o meu olhar.
Perdi o tempo para o dizer.
Desperdicei o cheiro, o toque e o calor (teu).

Agora (só)
sinto-te fundido no céu azul
que tento retratar na Holga
-que não conheceste.
A minha estrada também acabará.
Ando muito depressa
que (até) sinto o escaldar do asfalto.
Por isso a mão treme no leme.

Espera por mim,
ao fundo onde o céu beija
o laranja do por-do-sol.
Será que me reconheces
na forma que estou e agora sou.
Não sei, não sei se quero.
Ah! Beijos do G. Nuno e da M.J.

segunda-feira, maio 2

Singurătate

Um piano solitário que jaz numa praça de Timisoara é acordado pelo cair da noite. A melodia, subitamente, ecoa violentamente com belas notas musicais que fazem ricochete em qualquer coração (frio ou quente) que passa, que para. Enquanto um eléctrico para e uma ambulância chega para socorrer o sofrimento. Um sem abrigo mendiga. Um cão ladra. Gente que passa grita indiferente, uma garrafa de cerveja cai. Mas as notas continuam a ecoar imparáveis para quem se senta e sente - numa noite fria em Timisoara. Nunca a esquecerei.

quinta-feira, agosto 13

XÁ (da Persia)

Não sei se me perdi na rua – onde te conheci se no meio da prosa do livro que tens pousado na tua mesa. Sei que te sinto, me sinto perdido- com o alcatrão quente a escorrer na (fria) distância.
Sabes:
Já fingi esperar pelo nascer do sol quando desejava, apenas, que o teu olhar cruzasse com o meu.
Já: bati com a porta de tua casa à espera que implorasses para ficar.
Já pensei em beijar outras quando era a ti que eu queria. Nessa altura senti os meus a arrefecerem tal como o Atlântico que beija o teu corpo.
Já incendiei a minha loucura- com receio que esta te fustigasse.
Já acelerei perdidamente - para encurtar a distância.
Já sei o que é parar de respirar para sentir o teu coração.
Já...
Fecha os olhos e sente um beijo distante.

segunda-feira, dezembro 23

Rio (que foi) D'ouro

Rio revolto que ataca a margem,
como eu te entendo.
Somos parecidos.
Amaos o Porto.
Abraçamos as margens com carinho.
Mas,
levamos tudo à frente quando nos maltratam.
Ou
quando perdem o respeito por nós:
e nos atiram – o lixo das suas almas,
sem dó e sem piedade.
Ou
quando se esquecem da ternura do nosso toque
e deixam a espuma do veneno a boiar.
Mas
quando a dor acalma:
(Pena) Não haver quem a limpe.
(Pena) Não haver quem se lembre
do mal que está feito.
Agora
a tormenta foi-se!
E já brincam de novo com o lixo:
mais tóxico, mas diferente.
Já nem se lembram da nossa mágoa.
Por isso - por vezes secamos o leito.
Por isso - a água tem um tom escuro:
é a cor da alma sofrida.

sexta-feira, outubro 4

Hell(sinki)

Num voo noturno para Helsínquia -anseio que o tempo passe e o pássaro pare de bater asas – quando encostado ao chão. Voar é sempre um ato solitário, és tu que mexes as asas ao teu ritmo; és tua que sentes o vento que te empurra e te auxilia no lino bailado da luta contra a gravidade maldita (aquela que empurra, aquela que te condena ao solo fio, pegajoso e sujo).
Encostado, fecho os olhos e penso naquele teu abraço de despedida. Num sorriso forçado que soltaste a fingir - o impossível de fingir. Se não voltar, pensa em mim – quando a lua te beijar com a sua luz.
O avião arranca, treme, acelera e sai para o céu. No meu lado: uma mulher asiática delicia-se com um livro que tem um homem nu na capa. Enquanto lê – o seu olhar tenta esconder um sorriso matreiro. Parece que vive ou sente a história, como se esta fosse sua. De repente para e encosta-se no banco e os seus olhos não resistem e fecham-se como aqueles portões antigos que batem furiosamente com o som do ferro que choca. Imagino que deve ter parado de ler depois de uma descrição pornográfica de uma noite de amor. Onde o amante que conheceu e a seduziu em Paris sai do quarto. E que de propósito deixa um lenço de seda caído no chão, daqueles lenços que os senhores decentes usavam na década de 60. Estava a sair e deixou também um beijo daqueles que se recebem em silencio, a fazer de conta que estamos a dormir profundamente – mas não estamos. Nessas vezes que mentimos para não deixar cair uma qualquer lágrima solitária. Sabe que, os seus corpos se enrolaram porque se tratava de um homem bonito daqueles que conquista uma mulher com o olhar desinteressado que espelha o seu interesse. Ela, por sua vez, uma mulher atraente das que chega sempre atrasada aos encontros amorosos – e que perde dois terços da sua vida a produzir-se. Se lhe perguntarem: estou certo que não saberá se o faz para ela ou como alquimia que entontece os seus amantes que depressa ficam preso à sua teia de aranha viúva. Imagino: desta vez terá sido diferente. Desejou ficar com um telefone ou um simples email, mas, por orgulho não o pediu e ele: nada. Os homens que entram e saem da vida das mulheres ao seu próprio ritmo – são os mais desejados, dizem elas. Entretanto, parece estar em sono profundo – o estado da vida mais parecido com o da morte e o sonho cai, desvanece. Com sorte terá uma pequena lembrança de manhã. Talvez.
Os estalidos nos meus ouvidos – dizem-me que estou no fim da descida de aproximação. Sim, estou. As luzes apagam-se. A agonia da descida para o aeroporto – sente-se na respiração de alguns passageiros. Já no meio da pista sinto a adrenalina da velocidade. Não tarda: as luzes acendem-se e a mulher a meu lado: acorda. Parece sentir-se envergonhada como se eu tivesse penetrado no seu pensamento. Levanto-me, tiro a mala e saio. Saio do aeroporto e aspiro o ar fresco de Helsínquia.

sexta-feira, setembro 13

(in)DIZ(ente)

Não sei se já te disse –hoje- que adoto viajar nos teus lábios. Que o teu colo me embala para - mundos de paraíso e paz.
Que sem eles -as palavras esmorecem, a luz do sol encarquilha e a beleza do momento, esvai-se como numa foto velha de uma Polaroid.

Não sei se já te disse –hoje – que me perco no relevo expressivo dos teus olhos. Que o calor do teu corpo esquenta – sempre o meu.
Que sem eles – os meus acabam por morrer, a luz da lua fica baça e a meu coração, bate aflito, como o de um recém-nascido.

Não sei se já te disse – hoje – que preciso do teu abraço mudo. Que o teu toque energiza a minha alma - sempre.
Que sem ele – os meus perdem dono e sentido, a minha força decai e a minha alma pena pelo purgatório, como se de um indigente odiado se tratasse.

sexta-feira, julho 12

Lenta

Fecha-me os olhos, se não conseguires – usa uma venda.
De seguida, levanta a capota, solta os teus cabelos e escolhe um lenço bonito: gosto de ver assim. Arranca um CD riscado que perpetuamente passe aquela música: tu sabes qual é. Por favor: arranca. Arranca sempre, sem olhar para trás. Conduz como num filme em camara lenta.
Leva-me pela costa, preciso de mar. Não pares até chegarmos à baixa, onde param os ricos e os perdidos – como eu.
Já sinto o beijo da maresia, já sinto o abraço do vento. Continua. Entretanto, conversa comigo sem palavras – como eu gosto. Sabes, perdi o discurso e agarrei-me ao pensamento como fazem os afogados às cordas esfarrapadas que lhes atiram. Já perdi dentes, cabelo e pessoas de quem gosto. Não te quero perder a ti. Continua, peço-te. E, para apenas numa qualquer curva apertada – onde nada e ninguém queira parar e deixa-me tirar uma foto ao alcatrão preto, quente e rasgado por linhas brancas cansadas. Quando chegarmos à baixa – beberemos como se não houver amanhã. E quando o momento chegar: agarra-me, ampara-me a vomitar. Leva-me para casa. Dá-me o teu colo para o nascer do dia aconteça com esperança no todo.

terça-feira, junho 18

Août

Foi em agosto, o que mês que eu adorava. O mês que me lembrava das brincadeiras do faz de conta com o meu avô; das longas férias na escola e em que agosto significava que ainda faltavam mais metade dos dias de brincadeira; das horas perdidas a olhar para o teto do quarto com os pensamentos em deambulações alienadas– tão típicas das dores de crescimento que se sente, pela primeira vez, na adolescência. Adorava, mas já não adoro. Como um amor que nos traiu em agosto e fica a dor. Não, bem pior: um acontecimento, terrível, uma lembrança má. Dizem que: com o tempo o amor perdido desvanece e cai com as folhas de outono, só temos de esperar. Mas: uma lembrança má fica e pica para todo o sempre -o pensamento, o coração de tempos a tempos, de lés a lés.
Descia Sá da Bandeira e tu saias de uma loja de miudezas chique. Num choque elétrico: os teus eletrões tocaram nos meus. Enquanto, o teu cheiro mima o meu nariz e chega ao meu cérebro na forma de uma pequena corrente elétrica – que sinto como terna. Os nossos olhos arregalam-se e rapidamente se soltaram sons, palavras que nos aproximaram mais.
Em poucos minutos, segurava a porta da Brasileira, para tu entrares. Escolhia uma mesa bem ao fundo – para te proteger dos olhares de outros, que eu, naquele momento, não queria. -Sou a Anne, disseste tu. Engoli em seco e respondi-te com o meu nome. Nenhum de nós era um tagarela. Falamos com os olhos – por longos minutos. Percebia-te, percebias-me pelo olhar – o que muitas vezes não acontece. Jantámos, abraços foram trocados – a olhar para o rio. Levei-te até porta do hotel. Já descia a rua quando ouvi a tua voz e corri para trás: para ti.
Durante semanas saímos juntos. Cada dia parecia um dia diferente. Nunca te perguntei o que fazias na vida, o que fazias pelo Porto. Tu também não. Não precisávamos. Lentamente fui conhecendo os teus gostos requintados, o que detestavas, o que te movia, o que te deprimia. As nossas mãos iam-se conhecendo, cada vez mais, tal era a força com que se apertavam – ao longo do dia. O teu sorriso contagiava o meu, o meu o teu. A tua voz rimava com a minha, mesmo num simples: bom dia, como estás? Conhecia cada curvatura que adornava o teu corpo, tu também – no meu. Esperava que os teus olhos fechassem para eu fechar os meus. Acordava cedo só para sentir depressa o teu olhar a acordar o meu.
Eras um fruto permitido por um cruzamento na baixa. Sabia das equações que os físicos usam para explicar o cruzamento de dois corpos indiferentes nas mesmas coordenadas espaciais e no mesmo instante, no mesmo momento. Pensava nos deuses que nos teriam empurrado- um contra o outro. Fugia sempre do acaso, que tão pouco nos dá, esclarece.
Um a noite em que bebeste demais. Percebi que estavas corroída pela mágoa. Que tinhas sido maltratada por alguém. Alguém que te tinha levado e te tinha largado. Como quando de repente do nada: algum vento irrompe pela janela aberta, abana furiosamente os cortinados, deita a abaixo o que encontra pelo caminho e depois desvanece. Tudo passa muito rápido. Quem chega no instante seguinte a casa – não o entende. Quem assistiu a tudo: fica em silencio num canto.
Fazias-me pensar quando falavas da forma como dissociavas o amor do sexo. O sexo era uma oportunidade para o corpo e o amor era um desafio para o coração, para a alma – dizias tu. O álcool era o elixir que usavas para essa libertação – percebia eu. Fiquei confuso. Mas não tive coragem de te perguntar: se me amavas, se gostavas, apenas, de fazer sexo comigo, se … tantos “e se?”.
Deixei-te, numa noite fria de outubro, na porta do aeroporto. Sai do carro, abri a tua porta. Soltei um sorriso. Pensei e não consegui verbalizar. Deixei-te ir, somente. Não trocámos de números de telefone, nem email. Não sabia a hora da tua partida. Não te perguntei qual o teu próximo destino. Se irias procurar alguém – à saída de uma loja. Se retornavas para o teu amor e eu tinha sido um mero alimento do teu corpo voraz. Se irias pensar: alguma vez mais em mim. Se tudo tinha sido um acidente. Acelerei para bem longe e sem me lembrar do trajeto de regresso, aterrei debaixo dos lençóis – que ainda tinham o teu cheiro. Na rua a luz de um semáforo intermitente assombrava o meu quarto.

segunda-feira, maio 20

Le vent (essai au Printemps)

Ecoute le vent : qu’arrive-je ne sais pas d'où ;
cherche sur le mer- qui danse à son goût ; ;
sur les arbres - qui s'incline devant lui ; ;
sur une image de mes yeux - qui pleure au loin. ;
;
Je serai toujours proche. ;
Ferme les yeux. ;
Laissez le vent te toucher. ;
Laissez-le vous tenir. ;
;
Je serai là. ;
Toujours. ;
Si tu veux, tu les sentiras.

sexta-feira, maio 10

(Desa)Nu(viados)

Derramado num sofá: conto os teus cabelos e paro quando chego a dez. Abraçados; enrolados; e desesperadamente colados – encostámos o nosso olhar ao sol que nasce. Mais uma vez a luz vence a escuridão; a lua repousa; as nuvens mostram-se – bonitas; os pássaros despertam num cantar; os teus olhos brilham de encontro aos meus.
Dez pensamentos atravessam a minha cabeça: agarro-te; dispo-te; abraço-te e deixo que as nossas roupas escorram para o chão. O Chiado é ali ao lado, mas que se lixe. Perco-me, perdes-te, afogo-me, afogas-te nos nossos corpos suados. Os olhos fechados mentem e não precisam de ver o que o corpo sente. O coração acelera. Os rostos transfiguram-se na proporção do prazer.
Promete-me: uma dezena de beijos, uma dezena de abraços – ao acordar, hoje, amanhã e enquanto os nossos corpos de derem bem; enquanto as nossas almas se entreterem. Mas agora: fecha os olhos e sente. Deixa que o meu mimo te toque por fora, no teu avesso. Desliga o pensamento e sente-me – a teu lado.

quinta-feira, abril 11

Datsun X

Vi-te a descer a colina, a alta velocidade, no teu Datsun eléctrico que ecoa um saudoso rater.
Um lenço amarelo que baila ao som do vento descobre o teu cabelo longo e frisado. Passas por mim e nem olhas. E eu que te conheço há dez dias, dez anos, dez anos-luz, não sei. Conheci-te quando eras dos outros, foste minha de vez em quando até que decidiste ser minha. Na altura nem sabia (bem) se te queria. Digo-o, porque agora sei que te quero com mais força.
Foi um dia X lá para o meio do ano, numa altura em que os dias já cresciam e já tapavas os teus belos olhos com uns óculos escuros - ao cair do pano, ao nascer do dia, ao caíres de cansaço. Arrastávamos os nossos corpos esfarrapados para o primeiro táxi que aparecia. E acordávamos nus com o teu corpo enrolado no meu. E com o teu pensamento em mim, o meu pensamento em ti, enquanto pensávamos em nós.
Sentado numa pastelaria da baixa eternizo palavras de amor com rabiscos em guardanapos de papel que apesar de voarem com o vento, acabam por ser apanhados pela minha mão, acabam por repousar religiosamente no meu bolso, acabam por adormecer no meio de um caderno de recordações. De surpresa gosto de alucinar uma pelicula virgem de filme com a tua silhueta, mesmo quando não te apercebes. Compenso a minha fobia em autorretratos em “clicks” deliciosos de ti. Revelo, admiro e imprimo algumas. Gosto de as ter na parede e não num álbum escondido numa gaveta.
Só assim as posso rever quando acordo e desvio o meu olhar para a parede do quarto que testemunha as nossas loucas noites de amor.

quarta-feira, março 20

Ter(a)pia

Eleva o sorriso.
Enquanto enfeitas o cabelo.
Mais vale ser - do que já foste.

Recorre ao abraço.
Enquanto aqueces o coração.
Mais vale continuar - senão o viveste.

Embala o pensamento (com o vento).
Enquanto a alma vibra.
Mais vale verter – tudo – se (ainda) não o fizeste.

sábado, fevereiro 23

Rapariga a Diesel

Salta o muro,
Agacha-te e abraça-me.
Esconde a voz nos meus lábios.
Sente-me, sinto-te elétrica.
Alimenta-te do meu coração (que bate).
Deixa-o sentir a tua ignição.

Diz que me amas.
Abraça-me: mostra que existes.
Soltarei um rouco uivar.
Que afugentará (até) a Lua.
Não percas tempo: a ampulheta mata.
E a estrela (que nos guia) esvair-se-á.

segunda-feira, janeiro 28

Sin(Ema)

Foi num cinema na Praça da Batalha que já não existe. A tela rasgada, suja e queimada por horas de filmes projectados mantinha-se imponente. Os cinzeiros nas cadeiras lembravam um tempo passado. Os estofos viviam com o cheiro a mofo. O ruído da madeira velha que rangia a cada passo. Tudo compunha a cena num velho cinema que vivia a idade do charme.
A ti, vi-te na tela, eu e quase uma dúzia de outros homens que estavam sentados na sala. As mulheres também te admiraram. Mas, como não foram educadas a desviar o olhar da beleza do mesmo sexo, contemplaram-te sem pudor: sentia-se no ambiente da sala. O teu ar terno e os traços bem definidos do teu corpo– faziam de ti uma mulher irresistível. O tempero que faltava descrever era o da tua voz rouca e pausada. Inspiravas calma. Um simples gesto teu era o suficiente para despertar na sala um momento de tensão sexual. Sei que não é fácil encontrar uma mulher que desperte tensão sexual num homem, que ao mesmo tempo seja terna. Mas tu conseguias.
Agora, estás tu, parcialmente nua à minha frente, no meu quarto. É incrível o poder que uma mulher sem roupa consegue desenvolver. Parece que perde a sua fragilidade ao sentir que o homem que a olha – está perdido de desejo. Uma força que vem de poder: lhe dizer não, ainda; de o sentir a pedir baixinho para lhe tocar; a admirar o impacto da sua feminilidade em cada músculo e expressão masculina; a fazer esperar- o homem perdido e louco de desejo – capaz de a satisfazer como e quando ela o quiser. Quanto homens já fizeram o que não queriam por uma mulher? Acredito que os homens não têm esse poder, pelo contrário, ao se sentirem expostos – apressam-se a procurar o corpo da mulher, escondendo o que podem de si. Com um desejo louco de serem melhores que o anterior amante; a rezaram para que – pelo menos aquele momento – fique na memória da mulher a que cegamente querem sentir e dar prazer. A verdadeira euforia e mimo no ego masculino acontece sempre depois, nunca antes ou durante. As mulheres penso ser ao contrário. Mas o que saberei eu do sexo oposto?
Aproximo-me e fixo o meu olhar no teu umbigo: o equador do teu corpo; o epicentro do prazer; o momento da decisão chega. Devo toar-te nos teus seios, beijar-te indefinidamente até atingir os teus lábios que se transforam em veludo com o aumento da irrigação desse liquido vermelho que te aquece por dentro e que te prepara para me sentires fortemente. Ou preferes que com os meus toques, os meus gestos, o meu carinho desça no teu corpo e procure encontrar o gatilho que te dará prazer -o quanto antes. Ajuda-me. Pelo menos encaminha-me com o teu pensamento. Preciso. Quero. Desejo.
Um candeeiro antigo ilumina a sala, daqueles que parecem alimentados por velhas velas, mas não – sugam com voracidade toda a electricidade que podem para apagar ligeiramente a penumbra. Sentia o teu olhar, mesmo quando desviava o meu. Na tua mão uma cigarrilha soltava um tom laranja de brasa. Sentada e contemplativa, escondias-te num silencio que ecoava no meu interior. Por alguns momentos parecia que me abraçavas por dentro. Que não encontravas qualquer palavra que fosse mais forte que o teu pensamento e olhar. De seguida inspiravas o fumo e desviavas o teu olhar e o teu pensamento para longe. Como eu adoro uma mulher que me toca com o olhar; que me diz mil coisas sem sair uma palavra da sua boca; que me faz sentir um abraço sem me tocar.
Uma estação com nevoeiro. O ruído de um comboio que se aproxima e decide travar bruscamente. Ruído de pessoas que passam, quase te empurram. E tu, imóvel, com uma pequena mala de madeira na mão. Escondida pelos óculos de sol e pelo chapéu que usas. Tocas-me na mão. Soltas um doce beijo, daqueles que deixam os lábios adormecidos e quentes. E sais a passo apressado na direcção do comboio. A cada passo mais pequena ficas, até que te perco no meio da multidão que se aproxima, também, do comboio.
O comboio apita e logo arranca. Fico mais uns minutos imóvel. Deixo o meu pensamento solto e penso em ti, no que foi a nossa noite. Saio em passo apressado. Acendo um cigarro nas escadas. Aprecio o laranja da brasa. Atiro o cigarro e desapareço.

quarta-feira, janeiro 9

Reis Magos

Volta para não me deixares ir. Vai e regressa –sem demora - até aos meus braços.
Bati a porta com força, mas deixei-te incenso e mirra no canto. A máquina da loiça está cheia com os talheres que tocarão nos teus lábios. Fiz o mesmo com a roupa que usaste. Não resisti e cheirei-a antes de a deixar ao sabor do inebriante Skip floral. Queria ficar com a sensação de prazer. O prazer de guardar na minha memória o efeito das tuas doces moléculas que adoçam a roupa que usas e que excitam o meu nariz, o meu corpo, em particular o meu sexo.
Desci as escadas onde caímos no meio de um beijo e logo nos abraçamos. Num momento em que as feridas de sangue pouco importam quando a nossa pele está enamorada. Levantei-te com a minha mão direita, abracei-te com as duas. Toquei nos teus lábios para que a dor nos teus joelhos acalmasse, perdesse importância. Tudo é uma questão do valor que damos às coisas: felizes as almas que têm o nosso termo de comparação: a dor física de uma queda e a sua pequenez quando comparada com a dor da distancia que essa sim – me seca. .
Toquei no vidro da porta, deu para sentir o sincelo. A rua está fria. Procuro no vidro regelado a tua silhueta e não encontro. Já saíste mais cedo. Está muito frio e estou cansado. Esperarei por ti, junto à lareira enquanto sinto o deslizar suave de um disco – penso em ti. .

terça-feira, dezembro 4

Sa(i)u-dade em tom crescente

Saudade que rói, mói e dói.
Desejo de dizer o não dito e fazer o não feito.
Pena - que o inferno do tempo só deixe sentir o vivido.
Desespero do abraço quente (que paira apenas na memória).
Vontade de gritar: a dizer o não dito – e angustia por não o ter feito.
Falta do: olhar terno que vagueia na memória dorida porque já foi e já não é.
Ansia de acordar e sentir que tudo não passou do maior pesadelo – que alguém possa ter.
Recordação eterna do colo, mimo, do bom e do mau, da voz, do cheiro, da mão que embalou e amparou - o meu aprender a caminhar.

segunda-feira, dezembro 3

Companhia (do) Xá.

I

Levanto-me e salto para cima da folha que ferveu na água que me aqueceu no meu primeiro chá do dia. Ainda, com a visão empoeirada procuro um reflexo de luz num dia em que a luz esmorece. Acordei triste e o meu corpo ainda acusa o peso dos medicamentos que tomei para morrer por umas horas, isto sempre sem a arrogância de pensar que o meu destino seria acordar. Lembro-me do ser humano que discute Deus porque se acha muito forte e não precisa dele ou porque acredita que vida lhe tem devolvido o bom na forma de um pontapé. Renega-o: mas depois persegue cegamente a imortalidade – essa sim, apenas digna dos Deuses.

II

A imortalidade é uma canseira. De que adianta, esta, se vamos perdendo todos de quem gostamos. Se com o avançar da idade menos apreciámos os espelhos (que apareceram na Anatólia e) que nos vertem reflexos invertidos das nossas rugas: espelho meu existe alguém mais velho do que eu? Até Narciso sucumbiu a um reflexo, o seu. O reflexo, o sentir, ambos matam (muitas vezes).

III

Sim, sinto com o coração: os reflexos que me atingem – e com eles. os raios que encandeiam. Por isso a porcelana é opaca e não deixa que o chá mime os raios de luz que ousadamente o atravessam. Mas temos (também) a escuridão que mente e esconde e a luz que atravessa o ar a que fomos condenados a aturar: quem nunca tenteou em criança revoltar-se e parar de respirar. Apostar com uma amiga com quem brincámos aos médicos: quem aguentará mais tempo? Mesmo sabendo que no fim todos perdemos (sempre) a infantil aposta. Essa amiga que no escuro perde o reflexo e fica reduzida a uma forma tridimensional que se sente com um toque ou que se bebe pelo calor dos seus lábios quando estes, à supina, se aproximam e nos tocam na forma de um mimo. Mas o que importa no fim, é que na ausência de luz, deixa, sempre, de ser uma amiga colorida.

IV

Remexo as ervas, retiro a folha chupada pela ânsia da água quente que a suga, que a usa enquanto pode. Respiro fundo e encosto os meus lábios à chávena quente. Atiro com força cristais de açúcar que – num abrir e fechar de olhos - se perdem. Aproximo-me de novo da chávena quente e doce: o chá espera por mim. Prolongo o prazer, como só os amantes o sabem fazer e bebo gota a gora – em pequenos goles. A minha mão ferve tanto com o calor exalado que até dói, até mói. Adormeço, de novo, na companhia do chá.


terça-feira, novembro 6

(Trans)Visão

Perdi-me onde me gosto de perder: na baixa do Porto, no meio de pensamentos.
A chuva e o vento frio derrubam o pouco que há para esgaçar das árvores (já) despidas pelo Outono. Algumas folhas espalhadas pelo chão derramam o tom pastel que caracteriza a época.
Passos corridos, caras encorrilhadas e (algumas) escondidas viajam na minha direção – sem qualquer receio, protegem-se do embate com guarda-chuvas pretos que mal têm tempo para deixar escorrer a água que cai, revoltosamente, de um céu que não se vê.
Entretanto, um poster que venceu o tempo e como tal - ostenta um apreciável grau de imortalidade - enfeita o vidro da montra que (já) não conhece dono. Prende-me o olhar. Paro. Contemplo um anuncio de um concerto da década de 80. Intrigo-me: como é possível ele estar ali. Como resistiu? Certamente, um pedaço da memória de alguém que viveu a época. mas cuja vida atribulada o obrigou a escapulir-se, deixando para trás esse tesouro. Mas a corrida (da vida) não para e quase me empurram. Sinto-me como um miúdo que brinca oferecendo o corpo às balas de uma arma de fancaria, que sabe que estas não o perfuraram, exceto no mundo do faz de conta. Mas, de novo, um bando de guarda-chuvas desvia-se no último centímetro, alguns chocam, mas resisto. O meu corpo parece beber um pouco da imortalidade ostentada pela montra e resisto como se não houvesse amanhã. Como se num exercício de egoísmo, o meu tempo congelasse pela ação mágica que invade o meu olhar. Eu, por momentos -poderoso, perco o amanhã, mas posso deliciosamente navegar entre o meu presente e o passado. Os outros vivem e envelhecem, na mesma.
Consigo assim tocar-te – como o fiz no primeiro dia que te conheci; posso sentir o abraço forte e terno que me ofereceste na Rua das Flores; facilmente viajo até cada dia 10 e revivo cada um dos sorrisos diferentes que trocámos. Como numa droga que nos amarra, fico perpetuamente a viajar para os meus melhores momentos do passado. Se calhar a morte é isso. Não sei.
Levo um abanão de um guarda-chuva revolto e o meu relógio parado avança o ponteiro com o solavanco sentido. Olho para o poster pela última vez e vou-me.

terça-feira, outubro 2

Taberna dos Esquecidos

Esqueci-me, perdi-me, esqueci-me de mim, perdi-me no fio do tempo.
O tempo passou e não voltou.
Dou-me mal com o tempo, faça chuva ou faça sol. Sinto-o a esvair-se numa peneira feia e gasta.
Invejo os físicos que sabem que o tempo varia com a velocidade da luz. Eu, sou arrogante, e postulo que o tempo varia: inversamente proporcional à dor e ao tédio.
Parado, faço anéis de fumo na Taberna dos Esquecidos - enterrada lá para as bandas de Cedofeita. Num balcão sujo e escorregadio, um co(r)po de cerveja que beija a minha boca faz-me companhia. Ao lado centelhas de corpos mutilados que esperam que o tempo (também) passe.
Aqui a unidade temporal é o fino: na forma de fio de liquido amarelo que escorre ruidosamente e se enfia nas entranhas das goelas. Um vibrato (interior) imita o tic-tac que empurra o ponteiro pesado do tempo.
Agacho-me, empurro a porta que se fecha.
Seguro a parede que não cai.
Espero por ti.
(Até) empurro o vento, se me pedires.
Mas, não demores.
Por favor: vem e vence o contratempo.

sexta-feira, setembro 21

Deixa-me ir

- Corre, corre, corre, corre. Se fores suficientemente rápido poderás, até, fugir da solidão.

Eu:
Fecha os olhos e brinca com os socalcos que uma cama com lençóis cansados te pode oferecer: ali tens uma montanha bem alta que esconde uma bonita planícies. Fecha os olhos e imagina-a como um enorme e belo pasto verde. Alguns animais passeiam-se, outros alimentam-se e esperam que o tempo passe. Se acreditares: olha para o fundo e observa o pastor que descansa junto a um velho carvalho. Um ar de calma, um ligeiro sorriso na cara contagia o mundo que o rodeia com alegria.

Tu:
A noite passa e segue-se o dia. Olha para os raios de sol que nos tocam, no inicio, do dia – com um beijo carinhoso, até ao beliscar da força que acompanha o meio dia. Tudo é rápido; é só esperar pelo Sol a desvanecer até a luz amarela de um velho candeeiro se ligar. O sol acaba por se ir. Ligam-me a televisão: esta fala sem parar e sem esperar pela minha resposta. Pouco também tinha para dizer, mal consigo. Prefiro fica imóvel no escuro e deixar que as luzes coloridas que saem do tubo de raios catódicos funcionem como uma - luz psicadélica que me leva para o desejado transe.
Hoje esqueci-me de acordar: estava cansado. Até o Sol tardou a aparecer. Acho que não me enganei e distribui os abraços e carinhos que precisava. Já estou meio entorpecido e cansado de cansar os outros. Cansado de visitar todos os dias os mesmos prados – esculpidos pela minha imaginação - nos lençóis da cama que me acompanha. Chegou a hora de apagar a luz, ficar assustado no meu canto e esperar que me venham buscar, no entanto terei sempre: saudades vossas.

quinta-feira, junho 14

Par(is)

Despedi-me de ti, sem te sentir.
É bem cedo. Um novembro seco, mas frio abraça Paris. Desço uma viela e chego aos Campos Elísios. Gente apressada que passa – sem tempo de trocar um olhar; vultos telecomandados que aceleram o passo e só travam na eminencia de choque; (algumas) mulheres bonitas que desfilam sem perder o rumo; automóveis que param e arrancam ao ritmo dos semáforos.
Chego: encontro o cruzamento de Rue de Berri com Rue D’Artois e sei que estou perto. Escolho uma esplanada bonita que vive – encrustada no cruzamento. Sento-me e peço um café. Mergulho o meu olhar por um jornal: canso-me depressa e admiro o céu cinzento. Um relógio na esquina toca: já são 8h. A minha mão esquerda deixa-se cair no bolso do meu casaco e procura algo teu. Os meus olhos estão agora presos numa carta, na última carta que me enviaste. Nunca trocámos uma mensagem no telemóvel, um email, um Skype. Sempre temeste que o teu marido descobrisse. E quando telefonas usas sempre um número fixo que eu – sofregamente – memorizo, mas sempre que alguma coisa tenha ficado por dizer, ligo de volta e do outro lado recebo um sinal de interrompido. Tudo em nós é interrompido, é vivido na forma de fragmentos que se encaixam (como peças de Lego) no espaço, no coração, mas nunca no tempo, brotam espaçados, sempre, a um ritmo imposto por ti. Eu, por mim, já me tinha perdido e já estaria a viver contigo num subúrbio qualquer, nem que a única luz que entrasse no misero recanto fosse o bonito reflexo dos teus olhos: nunca o quiseste, dizias: - és louco! Soltavas uma gargalhada e abafavas as minhas palavras com um doce e profundo beijo.
Deixo uma nota na mesa, garanto que não voa e saio do café. Alguns passos nervosos e estou junto ao teu Hotel. Volto a olhar para a tua carta e leio: 635; elevo o meu olhar para o piso 6 e procuro descobrir o teu quarto. Sinto que o encontrei: uma única janela mostra um cortinado solto que dança ao sabor do vento frio – que mata. Suponho que estejas a fumar cigarros sem conta enquanto bates com o teu pé direito no chão. Imagino o teu pedido matinal para o quarto: Goût de Diamants, o único champagne que bebes, o teu alimento diário que te dá energia e entorpece o que te atormenta. Perto de ti, deves ter pelo menos três livros, sempre te vi a misturar livros; a tua mão esquerda deve estar a brincar com a pulseira de diamantes que o teu marido te ofereceu no dia do vosso casamento; enquanto a tua mão direita te toca acariciando o teu lindo cabelo escuro.
Acendo um cigarro e perco-me com o movimento dos cortinados. Desligo-me: deixo a minha imaginação vaguear pelo que teria sido – se tudo tivesse sido diferente. Lembro-me de ter ajudado quando caíste na escada e recebeste em troca o olhar de desprezo do teu marido; soltaste um sorriso sofrido para mim e deste-me um livro como agradecimento. Nessa noite os nossos olhos – não mais deixaram de estar juntos. Mas. só no fim desse dia é que me apercebi que tinhas deixado um nome: Claire, um número de telefone fixo e uma hora no meio do livro. Hoje não estaria atui se não fosse por isso. Agradeço-te pelos instantes breves; por me teres deixado sentir o teu corpo, abraçar-te como se abraça quem vai partir; entregar-me à volúpia sem temer o momento da tua despedida; o viver intensamente com o relógio parado como se isso eternizasse os nossos curtos momentos (juntos).
Salto e dou dois passos atrás, foste tu, és tu que apareces no varandim a fumar. Não quero que assistas à minha indecisão: entro e abraço-a ou arranco forças das profundezas do meu ser para me ir – desta vez para sempre. Não sei se quero, se consigo. Sou fraco e a nossa paixão suga toda a minha energia (que ainda resta).
Fecho os olhos e caminho, ouço o insulto de pessoas com as quais – choquei, empurrei. Vou abrindo os olhos e procuro desesperadamente pela entrada do metro. Encontro. Desço. Salto furiosamente o torniquete do acesso. Entrego-me ao filme que passa na janela enquanto o metro acelera. Quase desmaio de dor; uma lágrima presa solta-se e acerta na minha mão. Uma senhora idosa olha para mim insistentemente: tenta telepatia, mas não consegue. O metro mergulha nas profundezas e o escuro desliga a minha visão. Uma luz intermitente ilumina mal a carruagem. Fecho os olhos e espero que me expulsem do metro, como eu te expulsei da minha vida, quando o fim da linha chegar.

terça-feira, maio 22

(Dez)maio

Em maio o sol vai a meio da sua escalada para o ponto mais alto.
Em maio as noites encurtam e os dias crescem à velocidade da luz.
Em maio as mulheres ficam mais bonitas e brilham com o seu sorriso.
Em maio resgatei-te dos braços pérfidos de homens cuja alma passeia solitária num recanto do tormento, num qualquer pátio escuro e apagado - onde uma flor largada murcha sem a luz que a alimenta.
Em maio, e por ti, esqueci-me de tocar nos corpos nus de mulheres que vagueavam à espera do seu momento. Deixei de ceder o meu ser como alimento do seu prazer, que por breves minutos voava e desembocava no beco da solidão.
Foi em maio; fiz-me passar por intruso da tua vida; deixei-me ficar – todo o tempo que pude – debaixo dos teus lençóis, muitas vezes, em silêncio a contemplar os teus belos olhos azuis. Lia às escondidas o meu compendio de psicologia para entender o significado do teu olhar distante, que parecia ser de uma miúda que se perdeu e teme pedir ajuda. Enrosquei-me, vezes sem fim, no teu corpo enquanto sentia a jorrar a água do teu banho; deliciei-me a imaginar o quão prazeroso seria ser uma gota que escorria, que cortava o seu próprio caminho, pelo teu corpo nu. E ofereci, nas nossas noites, o meu ombro como amparo para o teu belo rosto, enquanto fingia dormir e sentia a paz do teu respirar.
Fui teu sem saber se eras minha. Delicadamente toquei na tua mão e agarrei-a com força como se – desta vez – valesse a pena. Senti o arrancar do coração enquanto me despedia de ti e descia as escadas para o metro que não vacilava e me arrancava de perto de ti. Sempre fingi amolecer a dor, sabes.
Agora: corres de e para os meus braços e continuo a sentir a dor a cada meio metro que aparece e nos renega a proximidade dos nossos corpos que nasceram para estarem juntos.

quarta-feira, maio 2

Ósculo de Sol

Fecha os olhos.
Solta o teu sorriso – não temas o choque dos nossos lábios.
Apaga a luz sem a desligar.
Eterniza o momento numa Polaroid escondida na nossa memória.
Desentranha a dor.
Derrete o sofrimento neste beijo que perdura.
Abraça-me.
Não me largues – contigo quero perder o meu respirar.

segunda-feira, abril 30

Sol da meia noite

Um raio de luz difrata na pequena frincha que resistiu ao fecho da velha persiana. Abro os olhos e experiencio a decomposição da luz na parede clara. Não reconheço onde estou. À minha frente uma estante coberta de pó alberga uma foto a preto e branco de uma mulher bonita, que não conheço. Está pousada em cima de um livro cuja lombada está impressa em letras de ouro.
Ao fundo um gira-discos adormecido com a agulha pousada no meio de um LP do Caetano, como se tudo tivesse parado no meio - antes do fim; umas luvas de cetim pretas estão caídas no chão: alguém precisou de sentir o toque desesperadamente e deixou sem pensar para trás o que a impedia. Um copo de vinho vazio que não escondeu o traço de uns lábios finos que ficaram impressos no vidro num vermelho sedutor– entretanto sujo pelo pó que caiu não sei bem de onde.
Uma caneta de aparo e um papel amarrotado na mesa com uma caligrafia bonita e cuidada, provavelmente de uma mulher. Não resisti e espreitei, paro a respiração e leio em voz baixa:

Meu querido amor,
Estive na estação de comboios à tua espera. Dei por mim a olhar para cada comboio, para cada pessoa que saia, para cada pessoa que se escondia por de trás do vidro basso e procurei-te, desesperadamente. Não desisti, procurei-te sempre: sentia que as pessoas que passavam liam a ansia de quem sente o coração a arder por dentro de saudade, de amor.
Resisti ao frio, ao vento que abanava as minhas vestes, que me congelava o corpo, mas não consegui arrefecer a dor de não te ver. Passou muito tempo, mal sei como tens passado. Temo teres perdido o teu amor por mim. Releio na minha memória cada uma das cartas que me enviaste, ultimamente foram sendo mais espaçadas. Continuaste a jurar: amor, mas parecia que a distância te tinha deixado dormente o coração. Agarrei-me sempre à tua última frase: chegarei no dia em que nos conhecemos à nossa estação. Nunca um relógio de uma estação tão mal me fez: cada tic-tac agudizou a dor, empurrou mais uma lágrima que escorreu, já sem força, já sem alento.
O meu corpo não resistiu e só Deus sabe como, arrastei-me para casa como uma gélida sombra que se move à medida que o sol de deita – lá no horizonte. Na sala onde o nosso amor aconteceu vezes sem conta, onde pela última vez me despedi de ti, deixo-te esta carta. Quero acabar o copo de vinho, ouvir a música que dançaste – pela primeira vez – comigo e parar o tempo.
Deixo-te as últimas linhas do livro que me deste na noite em que os nossos corpos, pela primeira vez, sentiram o calor um do outro enquanto os nossos lábios se fundiram pela num toque sublime de paixão:

E a lua, para nós,
Os braços estendeu.
Uniu-nos num abraço,
Espiritual, profundo,
E levou-nos assim,
Com ela, até ao céu
Mas, ai, tu não voltaste
E eu regressei ao mundo.
T.P.

Deixo-te o abraço meu que é teu,
L.N.

segunda-feira, março 19

Corpos

I.
Corpos que se abraçam à minha beira. Enquanto nuvens fogem ao sabor do vento. Enquanto enxergo a chuva a morrer com a Primavera que se encosta, lá, no horizonte.
Entretanto, um corpo preso balança no fio da navalha. Esconde-se do dia-a-dia que é frio e soturno. Imóvel e só deixa-se perpetuar em pensamentos. Deixa que o tempo flua, escorregando numa desmesurada ampulheta cujo peso – não se mede em quilogramas, mas sim em - dor.
De que vale tentar entender o que não é entendível; soprar para nada empurrar; erguer o que está encrustado (perpetuamente); tentar tocar o horizonte – onde o sol repousa do dia. Pouco sei de viver: vivo de corpos que se abraçam e de moléculas de ar que não se conseguem escapulir.

II.
Corpos que se abraçam à minha beira. Enquanto penso em ti. Enquanto revisito-te em pensamento. Sim, foi na Primavera que te deste a conhecer.
Entretanto, cresces-te. E, já sofro baixinho, enquanto me escondo atrás de uma esquina longínqua. Peço-te: corre sem olhar para trás. Rapidamente aprenderás que tudo se esgota num pestanejar qualquer. O que importa: tu sentirás, sempre.
Sei que vale a penas entender o que ¬¬sentes. Procurei ensinar-te: onde nasce e onde morre o Sol; a soletrar: gosto de ti -sem vergonha de o fazer; a empurrar o vento com a nossa vontade; e, a abraçar. Pouco sei de viver: vivo de corpos que se abraçam e de moléculas de ar que não se conseguem escapulir.

“Vais ouvir e ver
Mais vale nunca
Nunca mais saber
Mais vale nada
Nunca mais querer
Mais vale nunca mais crescer”.

segunda-feira, março 5

Parapeito (debruça-te nele)

Empurra-me, puxa-me, quero sentir o meu corpo a balançar – sempre -encostado ao teu. Sinto-te, sinto que: a chuva e o frio lá fora me arrepiam, mas estremeço mais ao sentir a textura do teu corpo; a tocar nos teus lábios depois de um orgasmo suado.
Afasta o lençol, não o quero a separar os nossos corpos. Abraça-me, para mim - fazer amor não termina no momento do êxtase dos corpos, prolonga-se durante o abraço infinito que nos une, que junta a alma ao coração.
Esmaga o relógio com quem partilho um pulso. Fecha os olhos e não me digas mais que tens de ir; que o trabalho te espera. Sente a vibração que sai do meu peito e procura o teu. Abraça-me e embala-me num sonho- onde tu és a Princesinha que me ama.

segunda-feira, fevereiro 12

Travagem

Trave com o motor.
Nunca com o coração.
O frio sublime espevita o vento que empurra as rochas. É impossível não sentir o abraço gélido que chega com uma força que parece dar um safanão no mundo. Ainda na lembrança: um verde intervalado por um cinzento agreste que povoa o ermo no além.
Saudades de gritos de crianças que não se ouvem mais.
E,
perdido no olhar cansado de um velho sentado ao sol à espera da morte.
No entretanto,
revisito um sem abrigo que apanha as beatas renegadas num chão frio e que tal como ele foram largadas quando deixaram de ser úteis – mas agora –reaproveitadas -são beijadas por quem é renegado por existir.
Escurece,
sinto frio: agarro-te: venço os narizes que se tocam; procuro os teus lábios aveludados com o fluxo de sangue que nem a jugular se atreve abrandar. Fecha os olhos, sente o abrigo
e sonha.

segunda-feira, janeiro 8

Afogada nas letras

Encontrei-te, perdida, no meio das páginas de um livro. Já não me lembro qual, apenas sobrevive a imagem do brilho dos teus olhos. E não precisei de muito tempo para procurar a tua mão: e desejar verter um bocado do meu calor no teu corpo, mais tarde descobri que ansiava apenas - o teu toque, naquele momento. Como eu sentia que tinha força para te resgatar da página!

Mal respiravas no meio das letras negras e cravadas num fundo branco. Sentia-se a tua angustia no meio dos parágrafos talhados para perfumar o leitor com emoções. Foste vitima de outros olhares, soube depois, e que nem todos foram bons. Talvez por essa razão temeste o meu e fugias sempre para a página seguinte.

Não desisti. Só desisto quando acho que não vale a pena. Senti que podias ser especial. Que viver a solidão no meio das letras, das frases, do s parágrafos, dos capítulos tolheria qualquer um. Escreve-se, julgo eu, para fazer o curativo da alma, do coração. A escrita é como uma veia que rebenta e jorra e para todo lado quando o sangue fervilha e não aguenta mais a clausura a que o corpo obriga. Pensei: só pode ser insuportável viver– o sofrimento da solidão ampliado pela dor da escrita de uma alma que pena e por isso: escreve.

Por isso te entendi. Por isso esperei.

segunda-feira, dezembro 18

Fotologia e ...

Escrevo, fotografo e vivo, mas não sou um escritor, não sou um fotografo, sou um vivido por inerência circunstancial e temporal. Tal como numa ampulheta preciso da mão de alguém para que os finos grãos de areia continuem a desfilar- perante o olhar de quem me rodeia.

A escrita, a fotografia, a vida são todos atos – que me sugam. Não sei qual o faz com mais mestria, talvez viver e o consequente: pensar. Quando era criança sustinha a respiração até quase sufocar. Recuperava o folego e repetia. Hoje, já não dou tanta importância ao ar que engulo. Já não aspiro contar cada molécula que uso e abuso na minha respiração. Entretenho-me com espirais de pensamento que começam, sempre, pelo fim e acalentam terminar no inicio, sem ter de uma forma clara e limpa – um propósito. É novamente uma espécie de brincadeira infantil, quando de cabeça para baixo, observava o mundo ao contrário e procurava o entendimento na forma mais pura, que só é possível enquanto se cresce num quarto de criança, longe das intempéries da rua.

É tão mais simples, duma forma despretensiosa: soltar os dedos numa caneta que beija o papel ou acariciar uma pelicula de filme com um terno banho de luz.

É esperar, esperar que tudo se transforme em nada, num ciclo perpétuo onde cada vez se está mais só e longe de tudo. E o que sobra? O nada que não empesta a vida.

terça-feira, dezembro 5

4 Estações

I.
O Verão foi-se. E como eu adoro sentir o teu sabor a sal e os pequenos grãos de areia colados no teu corpo - a roubar espaço à minha pele que também te deseja. Gosto de te beijar enquanto os salpicos de mar te acariciam, mesmo quando fazem soltar um leve arrepio. Desejo: contemplar-te ao longe e ver-te a sair de um banho. Chegar a casa e soltar as poucas roupas que trazes e fazermos amor na forma de uma tempestade boa que como por magia adormece o corpo, sem nunca deixar de despertar o teu, o nosso prazer sublime.

II.
Chegou o Inverno e com ele a necessidade de abrigo e aconchego. Procura-se mais a proximidade apenas para sentir o calor humano que precisámos. Gosto de olhar para o mar enquanto a chuva cai, sentir o vento a fustigar o todo e os relâmpagos a acordarem o horizonte. Procuro abraços eternos que acima de tudo me aqueçam o coração. Desejo sentir-te perto de mim enquanto o mundo lá fora se desfaz: dissolvido pela chuva e agastado pelo vento.

III.
Na janela, solto a alma e espero pela eternização do momento. Ouve-se um click enquanto abraço a minha Holga. Afasto-a. Fica agora pousada no meu colo. A chuva não desiste. O frio de nada padece. Enquanto isso penso em ti. Afasto da cabeça a imagem do comboio metálico e frio que te levou e a seu belo prazer te irá trazer. Não sei como e nem quando. Odeio relógios: são eles que nos matam ao desenrolar a corda do tempo que consome a vida, foram eles que ditaram a tua ida e escolherão a tua vinda. Acordo e estás ali ao meu lado. Sorrio, fecho os olhos e abraço-te ao som da melodia da chuva.

segunda-feira, novembro 20

Sofá que voa

Uma sala com vista para um quintal lindo e verde, um sofá que voa, mas que sabe guardar segredos, um maço de tabaco com cigarros que beijam os teus, os meus lábios, um stereo que faz as moléculas de ar dançar com ternura ao ritmo das pistas de um CD e que te tocam, tocam-me na alma e um copo de vinho que faz brotar o sentimento de qualquer alma emperrada pela azia de navegar a só no alto mar foram, por algum tempo, o nosso amparo da tempestade.
Caídos um nos braços do outro, fundidos por um beijo doce e longo de cortar a respiração, ávidos de ouvir o que outro tem para dizer, embalados por um sentimento que faz doer pensar poder vir a perder. Sequiosos de entregar o prazer do corpo um ao outro, viver a dois sem querer saber do mundo que nos rodeia. Esperar pelo amanhã com medo que a sombra do outro se desvaneça com a morte do sol ao fim do dia, enquanto, se sente a verter ternura como uma fonte que salva o viajante que atravessou um deserto seco, sem fim.
São estes os pensamentos que me abrem o meu doce baú das recordações.

segunda-feira, outubro 23

Sacrum scripta

Ao escrever forço o aparecimento de letras pretas num fundo branco que não passam de pedaços de mim dissolvidos num papel que sobrou ao fogo do fim deste Verão. Escrever é uma droga pestilenta que nos agarra logo no primeiro ensaio. Livres apenas ficam aqueles que escrevem sem alma, vendendo letras, frase ou parágrafos sobre uma vida falsa e inócua. A privação (da escrita) é uma dor forte que rasga as entranhas de uma forma que não sobra pinga de sangue para cair. É uma dependência que finge desaparecer para de seguida voltar ainda com mais força, veja-se, sinta-se: a pressão no peito, o sentimento de insatisfação por escrever algo que nem sequer sabemos bem o que será; o deixar fluir a mão desenfreadamente da esquerda para a direita como senão houvesse um amanhã; apenas conseguir respirar normalmente quando largamos tinta no último ponto final e a amargura doce e estranha que nos faz reler o nado-vivo sem pretensão alguma; não passa de um órfão distante, mas que entope o nosso consciente duma forma violenta, decidida e única. Que no final nos transporta imediatamente para a sombra que engole qualquer laivo de luz celestial, no faz parar e pensar no que não pensámos e temos medo ou dor em pensar.
Nunca se consegue reunir a mão e um pensamento duas vezes na vida na mesma forma escrita.
Tal como nunca se consegue amar diferentes pessoas da mesma forma. Agarra-me a tua mão com força, abraça-me e apaga a luz. Deixa que o silencio abafe a dor de ter de escrever. Abraça-me com força e apaga a luz que me encandeia.

quinta-feira, outubro 12

Out(r)ono

As folhas caem, com o sentimento de dever cumprido, de arvores depenadas pela estação que chega: duma forma doce; descrevendo bonitos movimentos - como se de um bailado ensaiado se tratasse. Foi essa a forma que a natureza encontrou para descrever e enaltecer o instante da mudança. No momento de despedida dos ramos da árvore: as folhas desenraízam-se e adquirem o direito de voar e se deixarem impelir pela terna brisa que enfeitiça o nascer do dia. Sentem pela primeira vez um genuíno sentimento de poder- de realmente viver, curiosamente na altura em que o seu propósito de vida na arvore se esvai. Os humanos são parecidos, penso eu: só se devem sentir realmente livres quando flutuam longe do seu corpo podre que perderam. No entanto – sempre foram livres – mas não o sabiam, não o sentiam.
Parado, continuo a admirar a melodia do movimento e o meu pensamento desvia-se, por momentos, para ti. Já não estás perto. Saíste a correr pela porta no momento em que os meus olhos cerrados fechavam as cortinas dos meus sonhos. Vivia o momento final: a Princesa soltava uma lagrima de felicidade embalada por um abraço asfixiante daqueles que encolhem o mundo e agigantam os amantes, o amor.
Abro os olhos e fecho o pensamento enquanto as folhas seguem a sua jornada: agora, tocam no chão suavemente e formam um bonito esboço de um tapete - desenhado pela natureza e criado para ser calcado apenas por uns pés especiais de Princesinha, os teus. Do alto da minha janela, o meu portal matinal para a vida, observo a beleza dos tons pastel que compõe o quadro que me é dado a admirar. Fecho os olhos e imagino-te a correr na minha direção para me abraçar, enquanto mil folhas voam.

segunda-feira, setembro 25

Immortalem

Fecho os olhos e deixo cair o corpo para trás. O vento forte e que aumenta com a velocidade tenta arrancar a alma do meu corpo. Ainda com os olhos cerrados deixo-me a flutuar. A linha branca intermitente é constantemente calcada e mal consegue sarar. È quando desligo os sentidos e vivo do sentido no momento, nada mais existe a não ser um corpo dobrado e solto que viaja por estradas onde o carro se perderia.
O medo que se escorre com a impulsão traiçoeira da velocidade, foi-se. Não temo o semáforo vermelho ou a curva apertada que colhe mais almas que amores perdidos que se refugiam no abismo escuro e pérfido. Prendo-me por momento a esta forma de imortalidade.
Só assim consigo sorver o palato da imortalidade. Só assim sinto que vivo. De vez em quando preciso de me embrulhar nesta trip vertida pela droga ardilosa da velocidade que me faz afrontar a morte de frente. Temos tão poucas hipóteses de a sentir durante a vida…
Sentia-a na adolescência quando saltava muros e não tinha cuidado com o cão. Onde aterrava – pouco importava. Corria, pulava e queria empurrar o mundo com a mão, mas não sabia bem para onde. Uma maça arrancada à força da arvore do senhor José e uma corrida desenfreada até tocar no horizonte com o polegar – anestesiavam os sentidos e faziam-me sentir como um Deus.
Os anos passam e a mortalidade vence pelo cansaço e como cobardes já nos rimos de quem brinca à macaquinha do chinês. Vendemos um ar sério e aprendemos a verter lágrimas por dentro, daquelas que queimam como ácido - o peito e a alma. A força (já) falta e deixámos a vida passar à nossa frente como num velho e desconhecido filme negro.
Mas, senti a imortalidade no dia em que o meu filho nasceu. Cortei-lhe o cordão umbilical e senti o sofrimento que antecede o seu primeiro arfar - só pode ser obra de um Deus. Dar-lhe colo; empurra-lo com a mão, erguer os braços e rezar para seja perfeito; largar-lhe a mão e sentir como caminha num monte de algodão; verter para fora a angustia das suas dores de crescimento e esperar pelo dia em que bate as asas e me acena (feliz) no fundo do horizonte, é único.
Que eu morra um dia no meio de um qualquer doce momento de imortalidade, é o que mais peço.

terça-feira, setembro 19

Melodia

Foi num dia de nevoeiro que te conheci. Descias uma rua na baixa. Mal se conseguia perceber como eras, mas mesmo ao longe fizeste me sentir algo que não entendi. Dei por mim a seguir-te, sempre a uma distancia segura com receio que o percebesses. Levei a sério esta minha compulsão durante meses a fio. Ao longo do tempo comecei a perceber o quanto pontual eras, mas mais importante que tudo: eras uma mulher muito bela, apesar do teu ar triste. Era claro que transportavas alguma dor que eu não entendia. Caminhavas com os teus olhar rasante ao chão como quem transporta um peso maior que o peso de uma alma que pena.
Foi num dia cinzento de dezembro que, como sempre o fazias religiosamente todos os dias, entraste no café, o nosso café. Sentava-me sempre perto da porta para ter a certeza que poderia acalentar a esperança de ser o primeiro para quem olharias. Nunca o tinha conseguido e de tudo já tinha tentado. Nesse dia o café estava anormalmente cheio: homens mais velhos acotovelavam-se junto ao balcão e as mesas estavam cheias de pessoas ensonadas que pareciam adormecer no meio do cimbalino. Acenei, como quem cumprimenta um velho amigo, estava disposto a ceder-te o meu lugar. Agradeceste com uma voz rouca que me era desconhecida e ficaste em silencio.
Os dias passaram e durante semanas te sentaste a meu lado no café. Mal olhavas e nunca falavas. Parecia sentir uma sensação de alivio em ti só pelo facto de teres sempre um lugar aconchegado à tua espera. Temia que fosse um hábito. E como eu tenho pavor de hábitos que transformam coisas maravilhosas em meras rotinas frias, secas e tolhidas.
No mês passado dou por mim sentado na sala do teu apartamento. Um belo apartamento na rua de Sá da Bandeira e que tinha uma vista maravilhosa. A sala estava decorada como se tivesse parado no tempo – como tu estavas. Imaginei uma família burguesa que desapareceu misteriosamente para uma qualquer parte incerta e que ficaste tu sozinha: filha de um homem austero qualquer, neta de uma senhora velha, mas querida que perdia horas a lutar contra os olhos cansados que lhe trocavam os pontos do tricot. Uma sineta empoeirada na mesa deveria tocar constantemente para chamar os empregados. Nas paredes estavam colocados vários suportes de fotografias desgastadas pelo tempo. Agora, em vez de pessoas, exibiam manchas a preto e branco - desbotadas de humanos que até na foto já tinham morrido. Ao fundo conseguia ouvir a voz da Maria Callas. O delicioso riscar de um vinilo parecia ser a fonte melódica que perfumava o ambiente. Misturada com a voz maravilhosa sentia ouvir um choro, sempre presumi que fosse o teu. Dia após dia, este cenário foi-se perpetuando. Por volta das 8h da manhã tocava, esperava pelo levantar do auscultador e dizia: - Sou eu. Abrias-me a porta, subia no elevador até ao sexto piso e encontrava a porta de tua casa aberta. Perdoa-me, faltou-me sempre a coragem para sair a correr da sala e consolar o teu choro; abafar-te num abraço e dar-te colo enquanto ouvias o teu disco dorido.
Na semana passada fui de novo ter contigo, mas não me abriste a porta. Corri para o café, procurei-te no caminho que eu conhecia de cor: mas não te vi. Desesperadamente, perguntei por ti ao empregado do café, do nosso café e este em silencio entregou-me um pedaço de papel, meio amarrotado e com uma letra tão bela como o teu olhar que dizia:

Un bel dì, vedremo
levarsi un fil di fumo
sull'estremo confin del mare.
E poi la nave appare.
Poi la nave bianca
entra nel porto,
romba il suo saluto.

Vedi? È venuto!
Io non gli scendo incontro. Io no.
Mi metto là sul ciglio del colle e aspetto,
e aspetto gran tempo
e non mi pesa,
la lunga attesa.

Foste o único que amei em silencio,
Perdoa-me se nada te disse.
Perdoa-me se te fiz sofrer.
Perdoa-me se a dor me tolheu a voz, o olhar, a vida.
Perdoa-me se te usei para compor a melodia da minha tristeza.

segunda-feira, setembro 11

Mata-borrão

Dou por mim a amontar palavras em textos que entrego ao Deus dará. Desde a adolescência que escrevo mais facilmente do que falo. Nem sei bem para quem escrevo e isso também nuca fui uma preocupação que me tire o sono. Adoro deixar fluir a caneta, deixar que esta se rebole pelo papel e no fim – e sempre de fugida deixar que os meus olhos tímidos pairem por momentos sobre o papel borratado. É essa a minha forma preferida de livre arbítrio, não sei se meu se o da minha querida caneta.
Escrevo sempre a preto, é uma cor inerte que não verte emoções. Quero que as emoções fiquem agarradas ao texto e não à cor da tinta. A cor pouco importa. As palavras também pouco importam. Até parecem que saem como as lágrimas que eu nunca controlei. Deixo-as ir sem me preocupar onde caem. Sei que levam ao colo um propósito: uma fotografia revelada a partir do negativo da alma ou de um estrebuchar do coração que vive dos sobressaltos provocados pelo batimento desenfreado do musculo que vai enfraquecendo.
Não escrever sufoca. Sufoca mais do que desistir de respirar. Se calhar menos do que desistir de sentir. Perder o sentir é uma forma de morte terrível. E que tantos experienciam sem o saber. Mas o que isso importa? Corremos tanto no dia-a-dia que nem nos damos ao trabalho de ver quem ultrapassámos ou quem caiu na jornada. A corrida do tempo é o cancro da nossa existência. Que quase sempre é empurrada pela cocaína da adrenalina, mas não tarda a ir-se e a deixar uma sensação de vazio e impotência. E desde cedo uma criança percebe que só com a sua imaginação inocente consegue viajar um minuto que seja para trás e reescrever o mal escrito. Esse é o nosso maior pesadelo, pensar a correr para depois penar devagarinho.
Por isso, me satisfaço com a solidão da caneta que me leva e se deixar levar para onde o meu pensamento empurra. Sei que posso pegar na minha borracha verde clarinha e apagar o que ficou mal escrito para trás; acima de tudo - o que me envergonha ou me faz ficar com a consciência obesa. E mesmo sem pensar já escrevo. Perco-me nas palavras como um forasteiro que se confunde nas ruas de uma cidade cinzenta que verte timidamente os tons acastanhados de um Outono que tarda, mas não falta.

quinta-feira, setembro 7

Nozes

O sol esmorece e deixa-se cair junto ao mar. Alguns resistentes molham os pés enquanto se deliciam com o maravilhoso crepúsculo. Eu perco-me a fazer e a desfazer nós no teu cabelo. Espero que não te canses, penso eu. Se te cansares: diz-me sempre. Ah! E não tolhas o teu olhar comigo: olha à tua volta e sente o entardecer a acariciar-te. Traí a minha objetiva para me teres na integra. Não te quero sentir atravessada por uma lente bassa; quero que a luz moribunda continue a medrar o teu olhar.; que esta não se venda já à noite e resista com todas as forças que tem e vingue a luz do dia até ao último segundo.
Perdidos num bar junto a uma praia que arrefece, vertemos beijos doces. E não peco tempo com os outros: em contraluz mal distingo as várias pessoas que tal como eu escolheram um copo para o entardecer. Enquanto, uma folha de Hortelã-pimenta escorrega do copo e (agora) jaz só na mesa. A musica e o ambiente vibram e fazem-me sentir num domingo virtual. Só no domingo é que eu consigo sentir com extrema intensidade uma calma e ao mesmo tempo uma certa angustia que rói a alma. Mas, continuo a brincar com os nós no teu cabeço, sem nunca deixar de apreciar os teus lábios.
Lá fora, os pequenos grãos de areia vivem do vento, tal como tu. Juntam-se todos emperlados no pico de uma duna para logo de seguida deslizarem e tudo voltar ao inicio. Desta vez com novas formas desenhadas. Uma mulher que passeia na praia confunde os grãos de areia solta. Tal como os nós no teu cabelo: são criados e recriados constantemente.
A bruma escorre do mar, a sombra invade o espaço enquanto que água do mar sobe. E vence o querer do teu cabelo que com a ajuda do vento – solta-se definitivamente dos nós. Enquanto isso, nós repartimos um abraço longo e forte junto à areia fria e húmida que bebe da água salgada que atravessa continentes.

segunda-feira, julho 31

Fumus boni juris

O fumo do cigarro abandona os teus lábios vermelhos borratados. O movimento do sopro assemelha-se ao de um beijo. Enquanto isso: o teu cabelo rebelde dança ao ritmo do vento que sopra num final de tarde de Verão. Por inúmeras vezes ficas com o teu olhar sensual coberto por um manto de nobre tecido esculpido pelo teu cabelo.
Insistes em cruzar as pernas duma forma feminina que atrai (até) os olhares dos que passam. Continuas em silencio e contemplativa. Até hoje nunca consegui ler-te nesses momentos. Perco-me no reflexo dos teus olhos claros; delicio-me com a sensualidade dos teus lábios quando estes se contraem, embebedo-me com o tom da tua pele que fica rosada quando algo te atrai e fico perdido em pensamentos do que seria se tu tivesses sido. Mas não adivinho os teus pensamentos.

sexta-feira, julho 14

Vai e vem, se

O farol fusco vive o entardecer. Enquanto que a luz que veio, vai-se. Perco-me entre a beleza de perdição do horizonte e os teus olhos. Escolher entre o paraíso que transmite um laranja torrado enternecedor e o azul ofuscante (dos teus olhos) que se funde com o mar é das equações matemáticas mais complexas que já tive.

Perco-me a fazer contas com o teu cabelo, por isso te pedi que não o cortasses, lembraste? Toco-te ao ritmo da ondulação leve que vai e vem. Solto uma pedra e abraçados contamos os círculos infinitos que se formam. A forma como viajam - sem medo- e param apenas quando chocam com a pedra fria que tresanda a lodo. Quero que o nosso sentimento seja ainda mais forte - resista; que ganhe raízes e reúna mil forças do Universo para despedaçar em milhentos bocados qualquer calhau intrometido na nossa caminhada. E que gere fragmentos que sejam tão pequenos que o microscópio mais poderoso do mundo desista: nunca os consiga vislumbrar.

Entretanto, a maresia embala o nosso abraço. Um reflexo frágil do farol usa como espelho a água calma e terna que mal se move. Agora, a lua que se foi, volta; o vento que fugiu, regressa em força – tal como sentimento que perdi e encontrei ao teu lado. Dá-me a mão e peço-te: ajuda-me a parar este ciclo perpetuo de dor - do ir e ficar no escuro à espera, enquanto o coração chora, enquanto esperámos pelo voltar. Sozinho não conseguirei.

segunda-feira, julho 10

Embalado ao vento

Não sei se o vento tem força suficiente para transportar a minha voz ou arrastar a minha alma para perto de ti. Mas sei que gosto muito dele, sempre gostei. Vejo-o como quem consegue amar um incompreendido: que fala e sente, mas que ninguém quer acariciar; que mexe em tudo o que quer sem se fazer notar (com a caricia de um mimo); que sozinho corre e varre os campos verdes que com ele cruzam, que com ele coabitam.

Esquecem-se que é ele que abana gentilmente as folhas das árvores na Primavera. Fazem de conta que não existe e retiram-lhe mérito de empurrar as nuvens cinzas que afloram no Outono. Não agradecem as ondas de calor que acariciam numa noite de Verão. E nunca entendem que é graças a ele que a chuva se inclina molhando o teu vestido branco e permitindo, assim, apreciar cada centímetro do teu corpo - como se de um nu artístico se tratasse.

É esse o problema da humanidade: esquecimento, o faz de conta, falta de um obrigado, o não entender.

Não saber amar o simples, ter medo de abraçar quem passa – só porque verteu um sorriso. Não acreditar que os pensamentos de amor viajam empurrados pela brisa meiga e chegam até ti, até quem se ama – sempre.

Não chorar no escuro do cinema, ter medo de perder os pensamentos num qualquer nascer do Sol. Não viver com o mesmo desejo de existir que se deve sentir no momento do rompimento do cordão umbilical. Morrer enterrado na vida - preso na agonia do medo de definhar de amor.

quarta-feira, julho 5

Estrela Cadente

Olha! Como ali, aquela linda estrela cai no céu que está lindo. Não percas um único segundo, poe favor! Fica em silencio, abraça-me. Sente-me e dá um mimo. Partilha o teu calor com o meu. Abraça-me com força, com toda a força que conseguires. Desliga-te do mundo: somos nós e uma estrela cadente. Sabes, escolhi esta montanha alta para ficarmos os dois a sós. Enterra as forças do mal, nestes instantes, não nos poderão vencer. Mas, olha: este momento não é eterno; como tudo: vai e vem e um dia não volta mais. Sente a tua, a minha respiração – aspira cada molécula de ar como se fosse a última. Sente que à medida que a estrela deia o seu lindo rasto – alguém aperta mais a torneira na nossa garrafa de oxigénio. Não sintas ansia, não será esse sentimento que alterará o traçado da estrela. Não sintas tristeza – sente e vibra com o momento que te foi dado a sentir, a viver. Absorve cada pixel de cor; fica com a brisa que nos lambe a cara; fica com o brilho que a lua nos oferece; fica comigo nestes instantes e depois já poderá ir.

terça-feira, julho 4

Negativo teu

Deixo-te impressa e perpetuada num rolo resvaladiço que se esconde no interior escuro da minha camara. Não te quero prender, não me entendas mal - peço-te. Não te quero é à merce do Senhor do Escuro. Que o Ogre te perca de vista, se esqueça de procurar o que esculpi num negativo bom e siga a sua saga para longe.

Ouve: fazemos como o meu avô me ensinou – contaremos até 10 e se ele não aparecer estarás salva, estaremos salvos. Desculpa se o atraí. Sou eu que me escondo na noite. Sou eu que de vez enquanto me escondo nas árvores belas do dia, mas assustadoras quando o Sol se esvai. Se calhar ele entendeu que me faria mal se parasse de me perseguir e fosse a correr atrás de ti.

Cansado de negativos queimados com retratos do meu exilio interior. Preciso de ti: brilhante. Preciso de ver o sol a brilhar nos teus olhos. Foge, corre – larga o teu pensamento e fica livre. Se achares que deves: ampara a minha mão e leva-me numa corrida desenfreada pelos prados verdes acariciados pelo vento do Suão.
Acredita que eles existem – fecha os olhos, sente-os.

sábado, julho 1

Escritos desagregados

Como eu gosto do entardecer da noite. Se os deuses me dessem uma chance: morreria quando a noite envaidecida se despe e apenas deixa o seu - tacão alto vermelho - à vista de quem quer. Pinos no céu exibem mil constelações, somente para quem as quer sentir.

“Morreria de amor por ti”, escreve o poeta louco; é sentida pelo amante ingénuo e despido de caroços, ínguas ou espinhas (de peixe podre) no seu tenro coração. O que importa se o que importa já se foi: morreu no mofo dos livros e nas línguas afiadas de vendedores de mentira que brotam sucesso no meio da crise de meia idade da humanidade infamemente perdida. Espera- que tudo pare! Ouve as bolhas de espumante francês rasca a subir e a subir – para de seguida estalarem num ventrículo escangalhado, mas sem antes passar na seiva vermelha que (também) atravessa os (maus) fígados. Será por isso que já não se morre de amor?

Será que sou o que quero ou sou apenas uma réplica chinesa feita num vão de escada por uma criança com os olhos em bico; que no intervalo de três minutos verte os olhos nos livros de Rose ou Friedman. Como é algo que venera e aspira, devora o livro com as mãos ensanguentadas como quem se perde num romance de cordel que amarra o tule às letras do Marx.

Não contei as estrelas, ontem. A visão turva mentia-me ao som da brisa exal(t)ada dos corpos que se fundem e se fodem na escuridão. Quem nunca foi um homem temporariamente só - que atire uma pedra à Maria Madalena, essa, a tal, que mal se mexe num vestido negro que lhe rasga as costas e lhe oprime a alma. A luz negra ajuda a que pareça mais boita. Filas de homem correm na sua direção. Como dizem os escritos sagrados: a prostituta estava embriagada não com vinho, mas com o sangue dos mártires. Putas, paneleiros e travestis descabelados por shampoos de silicone também merecem a luz da noite.

Decreto-lei: felizes os que abraçam com sorriso o perfume da manhã, que sentem o mimo sentido duma amiga como quem é abençoado por um milagre, que não precisam de cuspir a raiva num dia de vento; que amam sem medo de terem o coração fodido mais uma vez; que vibram com o piar dos pássaros madrugadores; que não vertem sêmen conspurcado numa vulva choca e perdida. Por isso, há esperança na ilegalidade do comportamento (des)humano.

segunda-feira, junho 19

Mar-e-azia

A noite ainda é rainha. O sol empurrado para um canto espera ansiosamente pelo seu momento. As ruas despidas de pessoas vivem da luz que brota dos candeeiros. O negro do alcatrão resiste impávido, frio, húmido e sereno. A maresia leva a revolta do mar a sítios inimagináveis. Um obturador perro e velho resiste ao meu dedo. Por momentos, perdi o momento que senti. As mãos geladas e sem abrigo –não ajudaram. As minhas pernas resistem o que podem. Os olhos pesados criam fantasmas envoltos em sombras esparsas.

Pedalar durante a noite é libertador. É como se o mundo fosse só meu. Como se uma praga terrorista disfarçada de fungo venéreo tenha atentado contra a vida humana e se tenha esquecido de mim. Resisto a tudo e pedalo. Só preciso de uma parte do meu cérebro. Só preciso de contrariar a dor dos músculos e pedalar. Conseguir ir contra o vento. Conseguir ir a onde a bicicleta me quiser levar. Assim é bem mais fácil. Como um papagaio solto ao vento deixo-me ir. Deixo que a vida faça das suas. De que vale contrariar a natureza das coisas e das pessoas. Se o fim estiver escrito, dirão: pedalou até morrer.

Paro e admiro a natureza e a força do mar. Peço piedade a Neptuno. Suplico-lhe que com um sopro de maresia verta no meu corpo toda a juventude e irreverencia que se perde como o gás duma bebida. Como numa bebida azedada espanto pessoas que me queiram tocar na prateleira. Fecho os olhos e sinto a maresia: como ela me acaricia, despertando-me com o gelado da água que transporta em si. Que se lixe senão me ouvir, penso eu.

quarta-feira, maio 31

Xi de perdição

Uma teia revoltada serve de adorno para uma parede fria. Desvio o meu olhar - aparo a barba branca e esmago um pouco de creme contra a pele da minha alma. Gotas escorregadias de uma essência embalada num bonito frasco de vidro (reciclado) aromatizam e abafam o cheiro profano a azedo. As minúsculas moléculas do ar circundante parecem ficar mais felizes que eu. São essas as minhas companhias (actuais). Fica tarde: não sei para quê. Bato a porta e deixo-me descair até à rua.

Esbarro numa estranha que nem se entranha. Paro e olho-a de cima a baixo. Despido de medo e de fervor: abraço-a. Ela resiste, mas mal fecha os olhos deixa-se. Num passeio sem fim tocámos suavemente na calçada portuguesa: fria e molhada - ofereço-lhe colo. Ela recusa com um sorriso. O céu escuro e estilhaçado por belas estrelas serve para um delicioso desvio de olhar. As palavras esganiçadas foram-se. Jazem numa sepultura térrea como a de um pobre indigente. Quem quer saber? Toca-me, aquece-me o corpo: isso basta.

Ainda penso em ti, perdi-te no meio de ditos e pragas vociferadas pelos habitantes da terra de Dante. Guardei a tua foto no meu telemóvel, sabes? Por vezes só paro de a admirar quando a bateria se esvai e te transforma num fundo escuro. Espero que estejas bem e que sejas feliz – como pensei fazer-te. Milhentas imagens de felicidade (contigo) escorrem pelo meu pensamento. Sabes, ainda espreito, muitas vezes, as mensagens do Hangouts. Lembras-te: uma veste foste e voltaste lá. Mas só encontro registos do que se foi e do que podia ter sido. Todas as noites antes de adormecer, mesmo quando os vapores me fazem transcender, envio-te um xi de coração.

quinta-feira, maio 25

E se?

Perguntas-me como me chamo. Não sei se irei responder. Mesmo sabendo que foram as primeiras palavras que desperdiçaste comigo. Não, não te responderei. Penso: “-e se?”. Engulo em seco e sinto a minha testa a encorrilhar. Temo responder-te: Pedro. E se o Pedro te trocou por uma bailarina espanhola que exalava sexo no olhar. E se eu mentir e responder: Carlos, sim o tal de Carlos que deixaste mesmo sabendo o quanto ele te amava; não te dava pica, se calhar, dizias tu. Não sei, mal te conheço. Não, não responderei.

Continuamos juntos – no olhar. Reconheço traços de beleza no teu rosto. Sinto ternura a verter do teu corpo, muita. As tuas mãos são delicadas e sinto vontade de as prender às minhas. Continuas imóvel, presa ao solo, que por sua vez se agarra com toda a força ao subsolo e assim sucessivamente até chegar à tua alma terrena. O relógio mente: o tempo passa, mas não passa para e por nós. O Sol brilha ao longe e nunca mente.

Dou por mim a cantarolar:

Stay out super late tonight
Picking apples, making pies
Put a little something in our lemonade
And take it with us.

É tudo tão simples, penso eu. E se? E se me deres a mão e podermos fugir a correr pela ravina: atirámos os relógios para as profundezas. Largamos os telemóveis. Darás um pulo e eu reagirei. Saltaras o muro e eu vou-te receber de braços aberto do outro lado. Pisarás a linha continua (nua) às minhas cavalitas. Deixarás o teu sorriso ficar contagiado pelo meu. Subiremos a uma árvore e roubaremos uma maça. Soltarás os cabelos ao vento, correrás, saltaras e vais ver que cais nos meus braços (sempre). Sopraremos até quase sufocar à espera dumas bolhas de sabão. Contaremos uma a uma - cada estrela. Atiraremos beijos à Lua solitária. Tudo isto até que a noite morra e o dia nasça – só para nós. Necessitas de mais?

Ainda precisas de saber o meu nome?

quarta-feira, maio 17

Sopro que d'este

Empurra-me. Sopra forte no teu erhu. Que o som viagem mais rápido que a luz e me atinga no Oeste perdido. Sabes, escondo o meu olhar num biombo que ninguém quer. E espero por um chá frio que escalde o momento. Vislumbro a tua silhueta – estás nua num canto. Arrepio-me. Solto palavras tolas: que qualquer homem o faria! Acredita.

A luz talha a tua silhueta; a sombra apaga alguns relevos; o reflexo dos teus olhos encandeia o momento. Lá fora o mundo gira; as pessoas correm e o ponteiro do relógio escorrega. Corre, enquanto te deixam e procura-me na Wikipedia. Se me encontrares: grita! Se te faltarem pulmões sopra no teu erhu - de novo. Prometo, antes do Sol nascente estarei no horizonte longínquo.

Sinto o vento a rolar e a destapar o vivido. Sopra, sopra forte na colina que verte a paisagem para a tua janela. A luz vive: um branco puro exulta o reflexo nos teus olhos. Os teus abraços abraçam o abraçado: não pares. Sobe a cortina podre que serve de empecilho para a luz. Abre a janela e sente o mundo.

segunda-feira, maio 15

Bússola ao vento

Solta o comprimento de onda: sintoniza-te no som do vento que raspa no momento. Embrulha os pensamentos, deixa-os a asfixiar – pensa em mim. Espreme o momento, deixa escorrer o sumo concentrado num parapeito qualquer. Escolhe aquele em que o branco ofusca o teu olhar quando o sol bate e esbate.

Fecha os olhos, larga o teu cabelo e deixa que a velocidade te empurre para trás. Empurra a manete e vai-te até a sexta. Sente a curva que adorna o teu corpo. Agarra-te a mim. O vento é teu. Aproveita-o. Olha - como arrancamos num rugido o alcatrão negro. Peço-te: pisa a risca branca e enfadonha. Acelera sem parar.

Chegámos. Corre. Empurra a distância para trás. Olha sempre para a frente: não caias. Sente a parede do farol que acede à orla e (muito) mais além que os teus e os meus olhos enxergam. Evita a espuma raivosa que finge esmagar as rochas. Como esta se perde, mas não desiste. Mas a areia húmida arrefece os teus, os meus pés.

Corre, espero por ti – junto às pedras escaldadas da casa de praia que fica no meridiano apontado pela ponta da bússola.

terça-feira, maio 9

Jardim de cristal

Agarro o lençol. Ofereço o meu peito para teu amparo. Se o quiseres - será o teu colo. Vou-me esforçar para que seja o teu (nosso) Jardim do Éden. Sente o jasmim que tal como eu te abraça. Imagina os lírios a mimarem-te ao som do vento que verte de Oeste. Duma terra sem cowboys, pois o amor venceu os maus fígados. Onde o único pecado é não amar. Onde um feio pode ser rei (do amor). Onde os dez mandamentos foram escritos para ti em maio. Deixa-te levar – confia.

Deitados imaginamos mil formas nas nuvens que esbatem o azul do céu, o azul dos teus olhos. O carinho amolece o vento que lentamente se transforma em brisa que mima a tua cara.

Fecha os olhos e mira a nossa árvore. Como ela cresceu e como ela floresce dia após dia. Maravilha-te: olha como os ramos abanam ao som da melhor valsa: é tua, é minha, é a nossa árvore.

Dorme Princesinha bonita!

Embalarei suavemente o teu corpo. Velarei para que a tranquilidade seja a tua melhor companhia. Esperarei que adormeças e direi baixinho: amo-te! Espera por mim no teu sonho; toca-me, abraça-me e eu partirei. Esperarei por ti. Ansiarei pelo teu acordar. Ficarei a aguardar que os teus olhos azuis vertam o amor que me faz ter vontade de respirar.

sexta-feira, maio 5

Olhar para o fumo

A noite cai de forma impiedosa, mas serena. Quando o nosso fumo se cruzou. Fumar não é a coisa terrível que dizem por aí: quantas pessoas interessantes já me contemplaram enquanto pediam lumes; quantos pensamentos deliciosos já viajaram pela minha (cansada) cabeça enquanto disfrutava o prazer de um cigarro.

E lá estavas tu a menos de um metro de mim - com um cigarro perto dos teus deliciosos lábios e um olhar de impaciência de quem procura um isqueiro na carteira. Um amigo meu dizia que as carteiras de mulher transportam o inimaginável e que nenhum homem deve tentar compreender e muito menos se atrever a mexer. São como um poço perdido no meio do deserto, transportam o ontem e o hoje: um bilhete do último cinema que assistiram na companhia de um qualquer namorado enterrado num jardim; um pincel que lhes alimenta o brilho dos olhos; um preservativo com bolor duma noite selvagem em que acabaram por ir para casa sozinhas ou uma carta de uma jura de amor que se foi com o vento enferrujado pela maresia e que recorda o seu último beijo numa qualquer rocha. Procurar em demasia resulta sempre em constrangimento.

Acendo-te um cigarro e ofereço-te uma cerveja. Que o álcool não te tolha – penso eu. Quando muito que te retire a mascara que usas para pareceres forte e me mostre o que vai muito além da carne. Já cruzei com mulheres belíssimas que me afugentaram as ereções da alma e do coração. Também conheci mulheres interessantes pela sua leveza e honestidade e em que tudo vem ao de cima no espaço temporal de um simples piscar de olho. Mas tu, falaste mais do que eu. É normal. Eu procuro sempre mostrar o meu encanto por alguém com o meu sorriso e o meu olhar. Parece que sempre que falo de mais, perco encanto. Mas não queria que o perdesses. Acenando e respondendo ao que falavas fui deixando que o tempo embalasse e embalsamasse o que de pouco posso ter de interessante. Parecias alegre. Foste a correr buscar outra cerveja e eu pensei que jamais teria a oportunidade de te tocar com o meu olhar. Sentia que ainda era cedo para te testar com o meu abraço. Sim, eu padeço dessa terrível maldição: leio para o bem e para o mal as pessoas pelo abraço. Não importa o sexo, não importa a idade. Um abraço ao contrário de um sorriso nunca mente. É a melhor métrica para aferir a empatia e ternura que qualquer pessoa – mesmo uma desconhecida – tem por nós. Os cumprimentos sociais no mundo deveriam ser –sempre- abraços. Já menti a beijar mulheres e já menti a fazer amor com algumas. Mas nenhuma delas poderá alguma vez afirmar que sentiu a forma doce e terna de um abraço meu que aparece sem eu controlar. Aparece quando um momento mágico chega e esse é só algumas vezes ao longo da nossa vida.

Roubei-te uma foto pois é a melhor maneira – para mim – de imortalizar um momento. Congela o essencial e não confunde o momento com o seguinte como acontece num filme. A expressão, o olhar, a cor dos teus olhos e a tua postura corporal ficam perpetuados num negativo que se pretendermos moldará um papel a guardar e cuidar para a posteridade. Como são maravilhoso s os químicos que ressuscitam uma imagem perdida num retrato esculpido pela nitidez de cada traço duma face. Sempre traços únicos: alimentados apenas pelo momento e pela companhia.

Deslindei uma forma de tocar na tua mão. Aceitaste, sem resistir. Mais tarde arrisquei o primeiro beijo num elevador e logo de seguida um abraço. Só aí te li, só aí tremi como uma virgem que descobre pela primeira vez: amor no seu coração escaldado e eternamente inexplorado.

Fecho os olhos, subo umas escadas e de repente respiro ao teu lado num apartamento esguio. Levemente tiro a tua roupa e embrulho-me em ti. Fecho os olhos e sinto um orgasmo que me arrepia a espinha e me entorpece a visão.

Na manhã seguinte salto para rua e penso no teu abraço, no ar misterioso do teu olhar. No que seria se não fumasse e se tu também não fumasses. Delicio-me a olhar para o fumo que sai da minha boca e viaja lentamente para cima, sem antes me tocar e me deliciar.

quarta-feira, abril 26

Gosto muito de ti!

- Gosto muito de ti! Ao que eu respondo sempre que também gosto muito. Aprendi depressa que são as palavras mais angelicais que jamais adocicaram –em simultâneo– os meus ouvidos, o meu coração e a minha alma: obrigado.

Deixa-me aproveitar e escrever o que nem sempre consigo verbalizar. Sempre foi assim comigo. Por isso preciso de escrever:

Se soubesses a espada que sinto a esfacelar o meu coração sempre que tenho de te reconduzir, não imaginas. Não te preocupes, também me perco muitas vezes. Prepara-te, qualquer dia e esse dia aparecerá mais rápido que a luz do trovão que já nos fez encolher os dois - entenderás o que te digo, farás melhor do que eu consigo fazer a alguém que no dia mais importante da tua vida: nascerá, crescerá e depois como um pássaro selvagem a quem curámos a maleita, num mimo, se soltará da tua mão e voará livre. Só quero que estejas preparado para esse dia. Só te peço que não olhes, nunca, para trás: voa, voa! Acredita sempre em ti e tudo conseguirás!

E sempre que estiveres perdido no meio do mundo bastas parares um minuto e pensares em mim. Num golpe de mágica o nosso amor nos ligará e eu estarei ao teu lado –sempre. Nunca te esqueças disso. Nunca temas o tempo: ele passará sempre, mas o que sentimos um pelo outro nunca morrerá.

segunda-feira, abril 24

Azul acizentado

Como eu amo e odeio estações. Fico vislumbrado nas bonitas que mostram, com orgulho, os seus azulejos azuis ou perdido em sentimentos nas que exibem imponentemente um cinzento soturno nas suas paredes. Dou por mim a olhar sem ver enquanto passeio parado nos meus pensamentos que fogem e se aproximam – sem rumo conhecido.

Mas o negrume do cinza já significou esperança para mim enquanto que o azul celestial me fez verter lagrimas de dor e saudade. Já dei por mim a procurar o teu reflexo no escuro cruel e opaco de uma parede fria e já vivi dor na luz do azul ofuscante que tudo reflete sem ter medo. Medo de viver, medo de amar.

A luz que irradias não teme o cinza escuro que me rodeia.

As escadas que desces ajudam a esculpir um sorriso na minha cara.

As escadas que sobes impulsionam a agonia febril do meu coração.

Uma máquina sem vapor que se arrasta para fugir ou se esfrangalha para parar -nem sabe o quão mal ou bem me pode fazer. Como gostaria de ser um mestre de telepatia e controlar quem manipula a máquina para esta sempre se aproximar. Bastaria que sentisse um pequeno grão da dor que me descarna o coração e me arrelia a alma para –sempre- se aproximar e excomungar (de vez) o ímpeto de se afastar. De se ir, de trocar a tua imagem esculpida no momento por um carril sem fim.

terça-feira, abril 18

Recordar ao vento

A luz que se esvai entra pelas frinchas duma janela mal fechada. Enquanto, uma voz esganiçada insiste em tanger algumas moléculas de ar (rarefeito) num fado malvado. Um pechiché resiste ao tempo e serve de amparo para velhas fotografias. Imóvel no (meu) escuro irrompo pelo baú das recordações. Dizem que recordar é viver, não, não é. Recordar é viver o vivido porque nada de novo ou interessante se está a passar nesse momento. Recordar é uma alavanca cega para uma lágrima seca que cai por dentro ou para um sorriso terno que vem de dentro. Só não recorda quem ainda não viveu. Mas, só teme esse mergulho quem largou a mão de quem o ia salvar. Quem desistiu de procurar a luz que aquece a alma e o coração.

Um relógio de cuco irrompe pelo quarto: um canto artificial lembra que o tempo se esvai. Que a nossa oportunidade está a acabar – é sempre assim que leio o passar dos segundos. Nunca me arrependo do que não fiz. Não posso perder tempo a decidir. Tenho de fazer o que acredito deva fazer. Temo ficar preso a uma indecisão e aí sim - arrepender-me. Arrepender-me severamente: magoar alguém; já não ir a tempo de agarrar a mão que com dor se estica até ao infinito para me salvar; de chegar tarde e o teu corpo já boiar inerte num oceano qualquer. Arrependo-me do que fiz. Transporto comigo esse arrependimento como uma cruz pesada e áspera que carcome a alma. Com tanta dor que arde como um sal que cai numa ferida em carne viva, que desentranha o entranhado, que rompe e cresce como uma fogueira que começa nos pés e só pára quando a cinza se desintegrar em pó que foge no vento.

quarta-feira, abril 12

Lágrimas que escorrem

Há uma lágrima que cai. Esconde-se num sorriso terno que se esvai. Mãos que quando tocam – agarram com toda força. O querer que já falta e adormece as pernas que fraquejam. O sorriso que se dilui num semblante de tristeza e de dor quando quem sorriu, já se foi: teve de ir a correr para a sua vida. Essa coisa que não sabemos bem o que é e muito menos o que nos traz. Viver é deixar ir. É rezar baixinho para que o próximo segundo não seja melhor, pelo menos igual ao que sentimos durante o aconchego de um abraço, de um mimo que escorre –com toda a força - do nosso coração e de quem generosamente o deu. É deixar ir para sempre que nós perdemos. É contar os momentos de felicidade e descontar cada lágrima que cai, quando a tristeza cinicamente nos embala.

Uma nova lágrima crua escorrega pela cara e aterra nos lábios. O sabor a salgado não chega para condimentar o tempero da tristeza; resta um quarto fechado por paredes que a cada dia mais se estreitam. O corpo, que mal reage, deixa-se viver no repouso de Dante. A mente que se perde em viagens de pensamentos e de lembrança: sente aquela vez que deu a mão e abraçou o neto; o abraço que este retribuiu; o sorriso de meninice que o alegrou; aquela brincadeira inocente duma criança que cresce e de repente já sofre como um adolescente – e que está condenado a ser adulto. Um sorriso triste acompanha o desfilar dos pensamentos. Enquanto que a mão fria, com dificuldade, escorrer para dentro dum lençol. Lençol que o acompanha em silencio e dá tudo o que tem: conforto e aconchego de calor a um corpo enrugado e resignado.

Mas que não chega. E que sabe a menos que pouco.

segunda-feira, abril 3

Noites de Abril

Amar pode ser bem pior que morrer. É morrer só, quando o sentimento se perde. É desviver quando a alma que escolhemos por ser (também) humana nos desilude. É sucumbir quando a dor da saudade é mais forte que o sol que nos aquece na Primavera. É mirrar quando o ciúme envenena o nosso sentimento. É penar enquanto se espera que o caprichoso telefone toque. Ou esperar eternamente pelo olhar de quem se ama, enquanto o tempo passa. É, acima de tudo, perder os sentidos e apreciar o nosso corpo a finar. Mas é amar quando se é amado.

Fugir do amor é tramado. É sair sem amparo à espera que o nada se transforme em tudo e no meio do turbilhão de uma multidão escarnada –que dói. É sentir corpos frios que procuram desesperadamente a canícula onde ela pereceu; corações que se tocam embrulhados em preservativos que se encrustaram num labirinto sem fim que se amarrou ao nosso coração; vender abraços vãos; trocar saliva (e a seringa) suja de beijos anteriores. E ao amanhecer – chorar, porque o corpo que definiu as rugas do lençol já se foi, ficou um nome, que poderá até ser mentira. Tal como tudo o resto foi e se foi.

Por isso é que cada vez mais cruzámos com corações sem abrigo - escondidos na névoa que tudo esconde, mas que é fria e húmida. Que se funde com lágrimas que escorrem no meio da solidão esganiçada. Onde tudo é aparentemente mais simples, mas mais duro. Perdidos no meio de um chat (promissor) ou de um encontro na ponta de um bar. Vadiam, sem saber, à procura de um abraço. Mesmo que venha dum corpo requentado e que já não reconhece a sua própria alma. Onde o que mais cintila é o corpo de vidro que com força agarram com a mão. E onde as vestes escorregadias tapam a penumbra de um corpo que padece de mimo e atenção.

Não pares de me resgatar todos os dias.

terça-feira, março 21

Rochas 10tratadas

O céu cinzento funde-se com o alaranjado de um sol que se despede. Este vai para outras paragens, sai de cena. Deixa a lua a olhar pelos apaixonados que se embalam nos grãos de areia e vai-se para acordar os que se perderam em sonhos. O mar amargo e salgado choca furiosamente com as rochas que lhe fazem frente. Estas resistem aos ímpetos, respiram do vento que lhes toca e resistem ao tempo. Mesmo quando se transformam em grãos de areia e servem de amparo para quem (tanto) precisa.

O entardecer instala-se. A lua ao fundo observa os corpos dos amantes que escaldam sobre a areia fria. A lua, ao contrário do sol, começa a altear; vive quando o dia tem fim. Cresce quando a luz se esvai e aparecem as verdadeiras cores estampadas nos rostos de quem vive, de quem passa. Silenciosa e no seu canto já viveu milhentos amores e desamores que tal como a areia se fazem fortes e formam uma rocha ou se deixam soltar e alimentam dunas desprotegidas de quem fez amor.

Como eu prefiro a praia no inverno. Desinfestada de grande parte dos humanos, apresenta uma camada lisa e bonita que se consegue enxergar ao longe. Quando nela caminho, deixo o meu rasto, o único rasto que se eu não for cuidadoso destruirá a harmonia da natureza. Parece feliz com o acariciar das ondas que na sua viagem fogem com destreza das rochas paradas no tempo.

Como eu gostaria que o meu corpo e alma fossem como uma rocha. Que os meus grãos de areia se desprendessem apenas na eternidade. Como eu gostaria de ser, por vezes, revolto como o mar. Que mesmo quando não sabe o que quer, continua a chocar com tudo e todos os que lhe tentam fazer frente, mas sempre sem desmerecer. Como eu gostaria de acariciar a noite e viver com ela as aventuras e desaventuras de quem vive num quadro sem moldura ou cor.

segunda-feira, março 13

Perder

Perder nem sempre é uma coisa má. Estava perdido quando te encontrei. Perdi a vontade de ficar no sofá e sem o saber fui ao teu encontro. Perdi as horas e fiquei até tu apareceres. Perdi a minha companhia do momento e encontrei a tua. Perdi o meu medo e toquei-te na mão. Perdi a vontade de deixar de respirar e beijei-te. Hoje e mais uma vez: perdi-me no meio dos teus braços:
Fechei os meus olhos e senti cada curva do teu corpo. Nem o tempo resistiu e parou para nos contemplar. A tua pele funde-se com a minha. A nossa saliva é uma só. Qualquer pequeno toque desperta uma sensação nova. Trazes-me sempre o mesmo dilema: deverei continuar a sentir o teu amor e mimo num toque ou terei de te largar para de seguida te agarrar no meio do sexo. Deverei aspirar a sentir o carinho adormecer apaixonadamente os meus sentidos ou trocarei tudo pelo prazer sublime de fazermos sexo desenfreadamente. Preferirei sentir a calma da tua respiração que transborda sentimento ou suplicarei para que grites de prazer- enquanto eu não paro.
Quero perder-me no meio dos teus braços…

segunda-feira, março 6

Quando

A hora avança. Temo o nevoeiro que trespassa. Mas temo mais o serão que não passa. Salto do sofá num gesto acrobático. Verto perfume na carcaça que envolve a alma. Aperto um atacador perdido. Já chega: já conhece bem demais o chão que piso. Sopro, vendo o meu hálito para um espelho basso. Salto e pulo, desço. Uber para e acelera. Luzes intermitentes que me iluminam na janela. Pessoas cinzas que rasgam o nevoeiro. Um vendedor de castanhas que grita. Peço socorro no semáforo: o vermelho não foge, agarra a vida com tudo o que tem. Salto, pulo para fora: estou numa linda calçada escorregadia do meu Porto.
Luzes que me envolvem, já não são apenas vermelhas. Pessoas com a cara iluminada que passam: vão e vem como marionetas presas sem saber a que mão. Corpos perdidos e achados que já não ouvem nada e ninguém, espreguiçam-se ao som da melodia que intoxica a sala. Sorrisos vendidos ou encolhidos. Pessoas bonitas por fora, mas que escondem a alma feia. Corpos doces como o sal que senti quando te beijei no mar. Fecho os olhos e viajo pelo tempo. O tempo para e liberto-me do corpo, da dor. Já não sei onde piso. Já não sei onde vivo. Não escolho bem para onde viajo. Deixo-me ir, deixo-me sentir.
Quando eu morrer: que já seja escuro o dia; que os pássaros não parem para sentir o baloiçar do meu corpo; que as nuvens escondam as estrelas que nos mentem; que a musica não pare; que a única luz que vença a cortina que cai – baile ao som da musica que amo; que ninguém pare; que ninguém se lembre mais de mim.

quinta-feira, fevereiro 23

Bússola (in)decente

Mal sinto a pele que me reveste.
Que me tapa o corpo.
Que serve como fronteira
para o casulo da minha alma.
Que sente o frio e o calor:
mas,
nunca tão forte como o que
sai do meu coração e irradia.
Leva-me para longe,
peço-te.
Apaga-me a dor.
Aquece-me a pele e o coração.
Sabes, basta um abraço;
basta um olhar
que empeça o meu de se perder.
Leva-me pela mão.
Guia a minha alma.
Estou aqui,
de olhos fechados
no escuro do dia;
mo frio do quente,
no caminho perdido.
Onde a bússola mente.

quinta-feira, fevereiro 9

Se me perguntares

Se me perguntares: o que não gostas no vento, responderei que não quero que ele tape o teu olhar com a sua força.

Se me perguntares: o que não gostas na lua, responderei que esta me lembra os meus momentos de solidão.

Se me perguntares: o que não gostas no mar, responderei que é da força que ele tem sempre em especial quando fraquejo.

Se me perguntares: o que não gostas no céu, responderei que este verte um azul que me faz sofrer quando os teus olhos vagueiam por outro lugar.

Se me perguntares: o que não gosto em ti, responderei que é o sofrimento dos teus olhos enevoados que me impedem de te ler; responderei que é a dor da distância que vida manhosa nos impõe; responderei que é o teu ar de tristeza quando não te alegro o suficiente; responderei que é o medo de não ser o que tu –algum dia – venhas a precisar!

terça-feira, fevereiro 7

Telefone antigo

- Desculpa, mas agora tenho de desligar! Trilho violentamente o fio e deixo cair o auscultador. Interrompo o fluxo de eletrões que trepam pelo cabo e se esborracham nos meus tímpanos. Não me entendes? Apenas quero ouvir os teus olhos. Quero sentir o vibrar das tuas cordas vocais com a tua boca colada à minha. Anseio sentir o teu respirar quente perto do meu. Preciso de sentir o teu corpo a pender para o meu.
Deixa-me desapertar a tua blusa, tocar nos teus mamilos como na primeira vez. Fecha os olhos e abraça-me. Perde os teus pensamentos. Perde os sentidos. Escolhe uma estrela e faz dela a nossa estrela, como só os apaixonados conseguem. Junta a tua mão à minha e sente como estas brilham ao luar.
-Desculpa, mas não te atenderei mais o telefone. Esse artefacto frio que só sabe tocar desesperadamente - sempre quando menos imaginámos. Que serve para dizer: - desculpa, mas hoje não posso. Onde a emoção nunca verte na sua forma pura (e despida). Onde o “onde” é onde quiseres. Onde os olhos se refugiam por de trás de uma linha negra que se estende até aos confins. Onde te volto a ver: quando puderes.
Agarro-me ao teu retrato. Fui eu que te fotografei. Estavas linda e feliz. Tínhamos acabado de chegar do Norte. Sei que estavas apaixonada. Por isso te fotografei, por isso fui arrogante ao ponto de querer imortalizar o momento. Sabendo que mesmo que um dia – os nossos destinos embarquem em caminhos que se cruzem apenas no infinito, terei esse momento de felicidade impresso num simples papel. Não haverá bolor ou humidade que consiga corroer esse momento teu, meu, nosso.
Desculpa, acordei mal. Ultimamente acordo sempre mal. Tenho fastio das manhãs. A manhã vem sempre depois da noite com a mesma inevitabilidade da morte aparecer depois da vida.

quarta-feira, fevereiro 1

Amantes num ciclone

A tempestade mente, esconde-se numa falsa quietude. Sente-se um vento fingido que insiste em soprar os teus cabelos para longe de mim. O frio sente-se. A luz filtrada por um céu lindo mas carregado, mal ilumina a vista. Mil pingas dispersas de chuva iniciam a sua queda no abismo. O ciclone (danado) acorda e empurra as arvores que já pouco têm a perder: poucas folhas se soltam; alguns ramos fragilizados resistem ao bailado imposto. A pornografia subsiste: um arbusto fustigado mostra para além do verde que o cobre; uma gabardine que se levanta e mostra uma saia rasgada; um cortinado que levanta e mostra os corpos de amantes que se esfregam.
Ao longe um relâmpago atinge o mar: um ruido ensurdecedor espalha-se e logo se seguida: sinto o meu chão a tremer. Abraço-te enquanto brinco com o teu cabelo. Temo pelo chão que treme e ainda nos sustenta. Temo pela luz que nos cega, também. Presos e juntos à janela tocamos no corpo um do outro. É um privilégio de sermos amantes: podemos fazer amor enquanto o mundo lá fora parece acabar. Minutos frenéticos passam devagar. Acolho-te agora no meu peito. Procuro o teu olhar. Já tenho o teu toque. Fechas os olhos, com um olhar meigo e adormeces. Lá fora a tempestade rende-se, desiste, vai-se. A minha mão passeia – como que à cabra-cega – à procura do livro que me embala, o cansaço é extremo. Inicio um poema que não termino:

“Teu corpo veio a mim. Donde viera?
Que flor? Que fruto? Pétala indecisa...
Rima suave: Outono ou Primavera?
Teu corpo veio como vem a brisa... “

segunda-feira, janeiro 23

Baton rouge

A luz ténue abafa a escuridão da taberna. Lâmpadas incandescentes proscritas imitam velas na parede. Um casal troca caricias num canto mais escuto. Uma mulher abafa mágoas num copo. Sentado, deixo o meu corpo inerte sentado numa velha pipa. Corpos e almas entram e saem num corrupio sem fim. A musica funde-se no meio dos meus pensamentos. Uma pedra de gelo queima-me a mão e desperta-me os sentidos. Trocamos palavras. Prendemos o olhar um a ou outro. Estás particularmente bonita. Os teus olhos brilham ao som das tuas palavras. Tocas-me na mão. Soltas um suspiro e abraças a minha mão ainda com mais força. Ficas em silencio e comunicámos – como ninguém o faz. O amor tem destas coisas: sentes uma vontade forte de abraçar e fundir o teu corpo com o da tua amante. Cresce a sensação de que juntos, fundidos num único corpo se fica mais forte. Não se cai quando a onda da tormenta sobe para de seguida cair abruptamente e cuspir os corpos que viajam na barca. Fechámos os olhos e temos medo de dançar novamente a sós. O medo do vazio do esmorecer do “gostar” é terrível, dói. Levantas-te e deixas um lenço branco na mesa. Isto sem antes deixar a impressão dos teus lábios de tom vermelho a enfeitar o branco do lenço. Sigo-te com o meu olhar até determinado ponto. Paro e mergulho no meu pensamento. Subitamente, desejo não pensar, ser mais inerte que a parede fria que sustenta a sala, não me deixar prender numa cela de dimensão infinita, onde milhões de célula coordenadas, mas perdidas suscitam lembranças e pensamentos. Por mais que tente fugir perco-me num qualquer caminho que desemboca num labirinto. Desespero, volto a atras mesmo sabendo que me voltarei a perder numa dimensão que nem os matemáticos se atrevem a quantificar.
Como dizia o Pessoa: a solidão desola-me. A companhia oprime-me. A presença de outro pessoa desencaminha-me os pensamentos. Contigo foi diferente, sempre. Agora que já não estás perto de mim, sinto que -só tu -consegues encaminhar os meus pensamentos. Nem sei bem porque me escolheste. Talvez uma noite tenhas acolhido um acolhido um naufrago nos teus braços. Aqueceste-o nos teus braços. Os sinais vitais (que alimentam os sentimentos) estavam débeis – quase mortos. Quando deste conta já me tinhas salvo. Por isso te afeiçoaste a mim. Passei a poder aquecer-te, a retribuir o esforço que fizeste para me puxar pelo braço, de me retirar das águas gélidas que me despegavam de viver.
O tempo passa. Não estás ali. Agarro o lenço que me deixaste. Dobro-o em várias partes, sempre procurando proteger o teu beijo que conservei livre de dobras, bem no meio de tudo. Será pela mesma razão que o nosso coração (também) ficou no meio do nosso peito. Para ficar mais protegido e seguro. Para não ter medo de bater, de se sentir encorrilhado pelas dobras.
Olho, aproximas-te e dás-me um beijo.