segunda-feira, janeiro 23

Baton rouge

A luz ténue abafa a escuridão da taberna. Lâmpadas incandescentes proscritas imitam velas na parede. Um casal troca caricias num canto mais escuto. Uma mulher abafa mágoas num copo. Sentado, deixo o meu corpo inerte sentado numa velha pipa. Corpos e almas entram e saem num corrupio sem fim. A musica funde-se no meio dos meus pensamentos. Uma pedra de gelo queima-me a mão e desperta-me os sentidos. Trocamos palavras. Prendemos o olhar um a ou outro. Estás particularmente bonita. Os teus olhos brilham ao som das tuas palavras. Tocas-me na mão. Soltas um suspiro e abraças a minha mão ainda com mais força. Ficas em silencio e comunicámos – como ninguém o faz. O amor tem destas coisas: sentes uma vontade forte de abraçar e fundir o teu corpo com o da tua amante. Cresce a sensação de que juntos, fundidos num único corpo se fica mais forte. Não se cai quando a onda da tormenta sobe para de seguida cair abruptamente e cuspir os corpos que viajam na barca. Fechámos os olhos e temos medo de dançar novamente a sós. O medo do vazio do esmorecer do “gostar” é terrível, dói. Levantas-te e deixas um lenço branco na mesa. Isto sem antes deixar a impressão dos teus lábios de tom vermelho a enfeitar o branco do lenço. Sigo-te com o meu olhar até determinado ponto. Paro e mergulho no meu pensamento. Subitamente, desejo não pensar, ser mais inerte que a parede fria que sustenta a sala, não me deixar prender numa cela de dimensão infinita, onde milhões de célula coordenadas, mas perdidas suscitam lembranças e pensamentos. Por mais que tente fugir perco-me num qualquer caminho que desemboca num labirinto. Desespero, volto a atras mesmo sabendo que me voltarei a perder numa dimensão que nem os matemáticos se atrevem a quantificar.
Como dizia o Pessoa: a solidão desola-me. A companhia oprime-me. A presença de outro pessoa desencaminha-me os pensamentos. Contigo foi diferente, sempre. Agora que já não estás perto de mim, sinto que -só tu -consegues encaminhar os meus pensamentos. Nem sei bem porque me escolheste. Talvez uma noite tenhas acolhido um acolhido um naufrago nos teus braços. Aqueceste-o nos teus braços. Os sinais vitais (que alimentam os sentimentos) estavam débeis – quase mortos. Quando deste conta já me tinhas salvo. Por isso te afeiçoaste a mim. Passei a poder aquecer-te, a retribuir o esforço que fizeste para me puxar pelo braço, de me retirar das águas gélidas que me despegavam de viver.
O tempo passa. Não estás ali. Agarro o lenço que me deixaste. Dobro-o em várias partes, sempre procurando proteger o teu beijo que conservei livre de dobras, bem no meio de tudo. Será pela mesma razão que o nosso coração (também) ficou no meio do nosso peito. Para ficar mais protegido e seguro. Para não ter medo de bater, de se sentir encorrilhado pelas dobras.
Olho, aproximas-te e dás-me um beijo.