quinta-feira, novembro 24

Acordar

Esqueceste o teu lenço na minha casa. Repousava junto à almofada que te amparou depois de fazermos amor. Certamente saíste tão apressada que nem deste conta. Apesar de te ter já pedido para nunca ires sem me acordares com um beijo: fizeste-o novamente. Abracei-me ao teu calor. Mimei o lençol encorrilhado pela forma do teu corpo. Aspirei com toda a força e sustive a respiração com a essência do teu perfume. Tal como num longo beijo em que me esqueço de respirar – mas nunca de te amar. Eu sei que combinámos que o nosso amor não seria igual aos outros. Que nunca deixaríamos um aloquete preso a uma ponte: os cadeados sufocam. Essas correntes e a sua ferrugem corrompem o brilho, a pureza do nosso amor.
Mas nada que digas justificará o teu descolar violento. Sinto que beliscas o meu coração, empurras o sentimento para o lado. Acho que estamos a levar demasiado longe este nosso desapego. Qualquer dia não sentirei falta da tua mão amarrada à minha enquanto passeio pelas ruas do nosso Porto. Viverei tantos minutos sem o teu abraço que essa minha dependência desaparecerá. Aquecerei os dedos dos meus pés com o calor do meu corpo e deixarei de procurar os teus para os entrelaçar. Poderei andar depressa no meu descapotável sem me perder com os teus cabelos que viajam soltos no ar. Quem sabe até me esqueço depressa de encostar a minha cabeça à tua durante o serão.
Os teus passos ouvem-se ao longe. Chegas ofegante. Dás-me um doce na forma de um beijo. Não me apetece escrever mais. Apago a luz do candeeiro, atiro a caneta para a mesa e quem sabe rasgarei esta folha amanhã.