sábado, outubro 29

Perfume de perdiçáo

No meio dum monte perdido – uma floresta densa e sombria deixa cair o pano. Aqui não manda o bastão de Molière. Acampamentos de refugiados do pensamento povoam. O ar rarefeito deixa as suas moléculas a flutuar à espera de serem sugados por bocas sôfregas. Um mar de arvores expelem pelos seus poros o que conseguem. Romarias de homens e mulheres procuram as suas verdades. Muitos cansados espalham longas cordas que lhes acariciaram mais tarde o pescoço – no momento certo.
Demónios, espíritos malignos e almas que penam são o elenco dos perdidos. Corpos enrolados, corpos putrefactos soltam o seu ar pestilento. Corta o nariz e sente a beleza do monte Fuji.
Os mantras em surdina pintam a banda sonora do momento. Os últimos pensamentos passam vezes sem conta num filme que termina na morte. Procurar a morte é querer uma vida nova; é esperar um novo papel num argumento virgem esboçado pelos deuses do além.
A libertação acontece – acompanhado por um último estremecer da corda esticada: pernas e braços que tremem num último ar de agonia da libertação. A eminente passagem de portal acontece. A dor e sofrimento dilui-se como quando aplicamos o ácido mais forte da terra no pedaço mais deliciado do nosso corpo.
Alguns desistem, mas muito vão em frente. Os que regressem penam com o peso da vida que continua. Os que atravessam o portal seguem a sua caminhada numa dimensão desconhecida à espera do esperado, rezando para que lhes matem o sofrido.
Corpos cinzentos e verdes oscilam como num circo e para terror de quem os avista.
Reza uma lenda de quem os vir para sempre perderá a sua visão da vida.