segunda-feira, outubro 10

Dez

I.
O nevoeiro alimenta a minha vista cansada e esbate a imagem a preto e branco da madrugada que chega. Uma melodia morna aquece o frio dos ossos. Um pensamento vadio ressuscita o momento. Uma flor perdida empurrada pelo Outono -cai no meu pé. Escorrega amparada por um vento solitário que embala quem calha.

II.
Um destino que vive do acaso faz e desfaz a vida de uma pessoa. Uma solidão que ora escalda ou esfria a alma – faz sempre de conta que nos acompanha. Um pedaço de vidro que abraça a minha mão – transmite o frio que chega como um arrepio ao coração. Fecho os olhos e sinto-o. De que vale abrir os olhos se o mundo nem sempre é bonito? Olhas para o lado e reconheces a traição de um amigo, encontras lábios pintados que trocam saliva perdida ou cruzas com quem ama com preservativo.

III.
É preciso saber o que é estar só para se conseguir sentir o calor de quem vem. De igual forma: quem nunca se perdeu nunca dará lume a um caminhante que perde a luz da candeia; quem nunca sentiu dor de alma nunca soltará um abraço a um desconhecido que rasteja pela noite; quem nunca amou não entende quem engole poesia com toda a sofreguidão.

IV.
Acendo-te o cigarro e contemplo-te. Não precisas de falar. Sabes, os meus melhores diálogos foram (sempre) em silencio: articulei silabas com toques de mimo; ecoei a minha mensagem no meio de um abraço; pedi ao meu coração para soltar as exclamações; deixei (também) o meu coração marcar o ritmo dos parágrafos – que sem regras – controlam a tua a e a minha respiração. Como na telepatia comunico com o teu olhar – aquele que à noite vende o desconhecido e ao amanhecer reflete sem pudor a luz que se intromete.

V.
Não serão palavras soltas e malditas que me afastarão do meu sentir. Está em ti, está em mim acariciar o que foi parido pelo acaso. Não será um qualquer corpo vadio e despido que me expurgará do encanto que por ti – sinto. Perdidos aqueles que não entendem o significado do dez ou que fazem de mim – um pobre vilão. Caminharei –sempre - ao lado de quem me quer, enquanto me quiser. Mais que ler, quero sentir a força da poesia que brota do coração de quem já não precisa de escrever - mas sim de viver com amor.