sábado, agosto 20

A bailarina e o cabeleireiro

Passeio. Tropeço. Sinto os meus dedos perdidos. Escorreguei no teu cabelo - quase deitei tudo a perder. Vou e regresso ao mesmo ponto. Não aspiro distancia, só procuro dar-te um mimo. Como adoro passear no teu cabelo - enquanto fecho os olhos e sinto os teus. Numa caminhada sem fim espero pelo teu ronronar. Espero por ti.
Uma caixa de musica solta-se e começa a deixar que a sua melodia espreite e invade o meu (nosso) momento. Fecho os olhos e sinto a musica. Uma bailarina de branco sujo (do pó) gira sem parar. Não se cansa, nunca. Não se desespera com a minha presença. Gira como o pião que o meu avó me deu. Chegou a casa cansado e com o seu sorriso único disse: - É para ti. Saudades dele, saudades da bailarina que não para, que pensei estar morta num baú escuro. Que pensei que tinha a corda partida de tanto girar para mim. Que temi que o bolor (da vida) tivesse emperrado de vez o seu mecanismo. Não, está ali. Generosamente esperou por mim este tempo todo. No escuro e em silencio tolerou os meus caprichos, viu-me crescer, viu-me aparecer e desaparecer ao som do tempo. Tempo embalado pelo vento, pelos sorrisos soltos e pelas lagrimas que me traem. No escuro entendeu-me como ninguém.
Paro de pensar, olho para as estrelas que não se cansam de me contemplar. Acendo um cigarro - aspiro com força o fumo que me mata aos poucos, que me quebra o desalento. É esse o meu pecado, acreditas? Esse e deixar o tempo talhar algumas rugas que espreitam quando sorrio. Apago a luz, o corpo já não reage. Deixo o teu cabelo em paz - no meu sonho.