segunda-feira, setembro 11

Mata-borrão

Dou por mim a amontar palavras em textos que entrego ao Deus dará. Desde a adolescência que escrevo mais facilmente do que falo. Nem sei bem para quem escrevo e isso também nuca fui uma preocupação que me tire o sono. Adoro deixar fluir a caneta, deixar que esta se rebole pelo papel e no fim – e sempre de fugida deixar que os meus olhos tímidos pairem por momentos sobre o papel borratado. É essa a minha forma preferida de livre arbítrio, não sei se meu se o da minha querida caneta.
Escrevo sempre a preto, é uma cor inerte que não verte emoções. Quero que as emoções fiquem agarradas ao texto e não à cor da tinta. A cor pouco importa. As palavras também pouco importam. Até parecem que saem como as lágrimas que eu nunca controlei. Deixo-as ir sem me preocupar onde caem. Sei que levam ao colo um propósito: uma fotografia revelada a partir do negativo da alma ou de um estrebuchar do coração que vive dos sobressaltos provocados pelo batimento desenfreado do musculo que vai enfraquecendo.
Não escrever sufoca. Sufoca mais do que desistir de respirar. Se calhar menos do que desistir de sentir. Perder o sentir é uma forma de morte terrível. E que tantos experienciam sem o saber. Mas o que isso importa? Corremos tanto no dia-a-dia que nem nos damos ao trabalho de ver quem ultrapassámos ou quem caiu na jornada. A corrida do tempo é o cancro da nossa existência. Que quase sempre é empurrada pela cocaína da adrenalina, mas não tarda a ir-se e a deixar uma sensação de vazio e impotência. E desde cedo uma criança percebe que só com a sua imaginação inocente consegue viajar um minuto que seja para trás e reescrever o mal escrito. Esse é o nosso maior pesadelo, pensar a correr para depois penar devagarinho.
Por isso, me satisfaço com a solidão da caneta que me leva e se deixar levar para onde o meu pensamento empurra. Sei que posso pegar na minha borracha verde clarinha e apagar o que ficou mal escrito para trás; acima de tudo - o que me envergonha ou me faz ficar com a consciência obesa. E mesmo sem pensar já escrevo. Perco-me nas palavras como um forasteiro que se confunde nas ruas de uma cidade cinzenta que verte timidamente os tons acastanhados de um Outono que tarda, mas não falta.