sexta-feira, novembro 18

Lua de vento

Espero por ti: deixa-me entrelaçar os nossos dedos do pé; deixa-me mimar a tua mão com a minha.
Espero que a porta silenciosa rompa o silencio murcho e anuncie que chegas, que decidiste voltar. Escondo-me debaixo do cobertor, não quero saber se o dia nasceu triste e chove. Já não sinto vento e como eu gosto dele. Incrível, como ele me empurra e me trava como quer e quando quer. Gosto de o ver a brincar com os teus cabelos: como ficas bonita ao vento, solta e livre. Consegue ser violento e fechar-me a porta na cara ou ser doce e terno: tocar-me na cara na forma de um mimo. Já afastou para longe pensamentos de desvario, já me empurrou para trás quando o peso da minha alma me fazia cair. Já me deu felicidade de abanar os cabelos do meu filho no meio dum sorriso. Fez-me sentir livre, poderoso e solto no alto de um qualquer pedestal.
Da ultima vez adormeci no teu colo embalado por ele. Olhamos juntos para a Super Lua. Já sentíamos os olhos a lacrimejar, mas não desistimos. Agarrados com força um ao outro, voamos em pensamentos inspirados por ela. Como é que a sua solidão luminosa nos atrai. Impávida e serena. Segura de si. Aparece no momento de rara beleza: o lusco fusco. Com toda a força: move-se. Mais ou menos visível, mas vaidosa baila no céu. Aparece aqui ou ali. Branca e pura. Forte e fraca. Só, mas consigo. Longe, mas ao alcance do nosso olhar. Como numa luta de titãs afasta ou desiste e deixa-se tapar por uma nuvem. Como é bela ao pintar o seu rasto no Douro. Como seria o amor se ela um dia se for?
A fechadura abana: um estridente ruído metálico rói a ferrugem e muda tudo. Não sei: serás tu? Fecho os olhos e espero a tua voz.

segunda-feira, novembro 14

Trilhos

Um céu cinza claro ofusca a vista.
Algum vento moribundo abana o teu cabelo.
Uns Azulejos: retratam um momento.
Um relógio sujo que marca às horas – com raiva.
Uma voz rouca que salta duma corneta.
Uma gabardine que entra.
Uma saia curta que tropeça.
Uma gola alta que pica
e
um cimbalino que se entorna.
Um sopro de fumo que sai projetado da tua quente boca.
Algumas folhas que padecem de desapego e viajam sós até o trilho:
Trilho que cruza e descruza de norte a sul.
Trilho que serve de colo ao comboio que irá passar.
Já se sente ao longe o chiar do comboio.
A gola, a saia e a gabardine correm:
deixam o cimbalino só.
Já se sente: uma dor que perfura,
que trespassa e aflige o coração.