segunda-feira, maio 9

Nº 10

I

O escuro dá lugar à luz. Luzes que piscam e magoam deixam de tropeçar no meu olhar. E senão fumasse o que seria? Por isso me custa acreditar que fumar mata. Morto e quase enterrado estava eu; passeava pelo meio de pessoas como uma alma penada; calcava corpos estropiados (somente) amarrados a um coração de fel., era calcado. A luz laranja do cigarro que teimava em arder era a (única) candeia no meu caminho. Como é que nos podemos perder num mundo de perdidos? Como nos conseguimos encontrar quando tudo à nossa volta exala a perdição? Não sei, temo que nunca saberei. Como podemos respirar amor quando os conspiradores de Dante vendem a alma para comprarem a nossa, diz-me como? Pobres náufragos que desistiram de viver e agora só pensam em puxar o braço de quem os salvaria. Desligo o telefone, não preciso de sentir ecos do mal, do falso. Como se libertariam se chorassem e gritassem para fora a dor que os rói e mói no interior desfigurado e vazio. Escavado pela solidão e pela dor.

II

Mas quando quiseres saber quem eu sou: fecha os olhos, toca-me no peito e deixa-me espremer-te num abraço – daqueles que nunca sentistes. Porque mais ninguém te abraçará desta forma. Sou aquele que correrá pela primeira viela funda e escura que aparecer – mal sinta que o que te faço sentir faz-te deixar de viver ou te faz perder o belo da vida. Correrei e não mais pararei. Amar é saber largar quando o nosso sentimento afoga ou mata um bocado do outro. De que me vale um sentimento puro e genuíno se mal te faço? Nunca será a droga do amor que afrouxará o meu querer.
E quando tiveres dúvidas de como sou: abre os olhos, fica atenta e tenta ler o meu sorriso ou meu ar de tristeza – bem no fundo dos meus olhos. Estes mostram o que me vai na alma duma forma tão cristalina que até a mim me assusta. Não procures nos meus escritos as verdades; escrevo de forma desorganizada e complexa quando preciso de aliviar a alma. Ao contrário dos meus olhos – a escrita – é de difícil leitura. Misturo o sonho com o pesadelo, mesclo desejo com medo, arrumo alegria no meio da melancolia.

III

O dez é o dez; repete-se perpetuamente como uma nota de uma sinfonia que não morre no nosso ouvido mesmo depois de os músicos adormecerem. Retrata mais de uma dezena de milhares de pensamentos e sentimentos que me fazem flutuar - como se numa nuvem eu me sentasse, a contemplar, a beijar a lua e a sentir o carinho do sol. É o décimo depois do um e o décimo primeiro depois do zero, mas cresce e ficou muito forte. Os tontos não o entendem. Os desvairados odeiam-nos mas eu e tu - entendemos. Por mais que navegue não vislumbro um fim, é com esse pensamento que me deito à noite, distante ou perto do teu corpo.