sábado, novembro 22

(Des)Apego

A noite começava da mesma maneira, sempre. Já há algum tempo, que vivia de noite encarcerado em pequenos cubículos: luzes que brilhavam, copos que ajudavam a esquecer, mas sempre envolto numa escuridão omnipresente. Sempre ladeado por milhentas pessoas, que tal como eu se perdiam a viver.

Vivia com desapego, já pouco esperava da vida cinzenta, que tinha. Apesar das noitadas e do real desleixo interior, continuava a preocupar-me com o meu exterior. Por mais ensanguentado que estivesse por dentro, continuava a fingir-me feliz, quando me vestia. Perdia horas a escolher o que usar, com uma única regra - fugir dos espelhos. Os espelhos são os nossos piores inimigos quando não nos sentimos bem: com o mundo, com a nossa figura. Em tudo o resto, sentia-me num labirinto sem fim. Estava perdido no meio das minhas coisas. Estava perdido no meio dos meus pensamentos desalmados.

O meu passado tinha aberto um trilho único, que definia o meu rumo. E, fazia questão de afugentar, os poucos amigos que se preocupavam. Dizia-lhes: estou bem. Uma mentira que repetida indefinidamente, até parecia uma verdade para eles – e por vezes para mim. O que era estar bem? Depende do tempo que estivermos a rastejar. Se o fizermos por muito tempo, o estar mal passa a ser um estado de aparente normalidade para nós e para os que nos rodeiam.

Também não era tarefa fácil, encontrarem-me. Refugiado em trabalho e sempre que conseguia, passava horas a escrever. Não o fazia por vaidade, o meu ego estava ausente. Também não queria que outros olhos decifrassem, fosse o que fosse, dos meus pensamentos escritos. Não queria. Não precisava. De nada me servia. Não havia terapêutica que me conseguisse levantar.

Acordava à espera da noite. Saia. Quase sempre para os mesmos sítios. Algumas pessoas já me conheciam, eu não, não conhecia ninguém. O meu olhar tinha sido desligado, olhava, mas o meu pensamento iludia-me e sobreponha-se a todas as imagens. Temia perder-me, com amores que terminam em desamores. Nada é para sempre e só dói, a quem sente, pensava eu. Por isso, não sentia. Não precisava de o fazer, pensava eu.

Vivia na (minha) solidão. Estava acomodado. Tinha momentos de (alguma) alegria. Quase sempre quando embriagava os meus sentidos. O meu ser travestia-se, ficava outro. O tempo passava e tudo parecia diferente, como que um virar da página, um mudar de livro. Mas não precisava de esperar muito, para as mesmas emoções e sensações voltarem, e cada vez com mais força. Parecia que se vingavam, sempre que eu forçava a sua ausência, acabavam voltando com o dobro, triplo da sua força inicial.

Algumas mulheres interpelavam-me, penso que ficavam fascinadas pelo meu olhar contemplativo e meio triste. Ou estavam tal como eu, perdidas? Não sei, não tinha tempo, não queria pensar. Uma história que se repetia indefinidamente no mesmo espaço cénico: troca de olhares, vários tragos na minha bebida escura, lábios “frios” que se tocavam, roupas espalhadas pelo chão e uma corrida frenética pelo prazer – puro prazer. Sempre com claras regras no jogo. Combinava as palavras proibidas: um simples gosto de ti, era uma delas. Não telefonar no dia seguinte, nem no seguinte, talvez uma semana depois, eu falasse, não sabia. Não esperar uma mão que entrelaça. Não esperar uma continuação. Não esperar conseguir salvar-me (salvar-se comigo). Apenas pedia uma coisa, encarecidamente, um mimo, que eu tanto necessitava e que de imediato retribuía.

Agora, meu amor, quero reescrever a história. Prometo soltar os meus medos, apagar as minhas dúvidas e deixar que o meu apego volte. Não sei se tenho forças e vontade para reescrever de novo esta história. Por isso, fica, deixa-me amar-te!

segunda-feira, novembro 17

(Cá tá)Vento

Como sinto o vento.
Arrefece-me a alma.
Falta-me o teu sentimento.

Há uma nuvem que fez e desfez
uma forma imaginária.
Também ela me deixou de vez.

Há uma distância que moi.
Um sorriso (teu) que se perde.
Num coração que doi.

Corre! Abraça - sente,
Toca-me, se és minha.
A minha alma (já) não mente.