quinta-feira, janeiro 22

Sabor da alma

Já não sinto o sabor a insosso. Como já me é desconhecido! Deixo-me ficar à noite a engolir o vento esperando que o sabor desvaneça – mas não consigo. Mergulho-me de alma no rio, mas não há água que me transfigure.
Já não lembro do traço doce. Só consigo uma fraca memória do (dito) mel na minha meninice. Mesmo quando impregno o meu estomago de mil doçuras- não me consigo soltar do trago que me impele.
Só reconheço o paladar do amargo. Que me desperta, me acorda e me faz sentir vivo. Que transborda da alma para o meu corpo. Que brota duma nascente interna, que nunca acaba. Paro de escrever enquanto sinto mais uma lágrima, que cai e me alimenta:
«E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!»

segunda-feira, janeiro 19

Respirar

A grafonola ainda arranha o velho disco dos Smiths. Cada ruga do vinil espalha centelhas de tons melódicos. Como tenho medo que um risco ou o uso me interrompam. Como tenho medo de não merecer este momento.
Mal me sinto. Respiro lentamente, como um peixe que desiste de tentar viver fora de água, mas que não se importa (mais). Ainda recupero do teu (nosso) último abraço. Deitado, no meio de livros e fotos admiro os contornos do vazio. Como num filme, por mim realizado, deixo as imagens comporem cada instante do meu pensamento. Os meus fotogramas sucedem-se um após outro, muito lentamente e melodicamente. Controlo a química de forma a deixar o teu sorriso e cada traço do teu rosto impressos na perfeição.
O teu abraço compõe a minha cena preferida. Sinto-me feliz por o ter tido. Há quem nunca o tenha sentido e nunca o venha a sentir e mesmo assim um dia estará como o peixe – fora de água. De que vale a pena viver, senão sentimos o amor? Partilharia essa sensação a quem passa – mas ninguém passa. E o que adiantaria? Como se transmite o que nos aperta o peito? Ninguém o iria conseguir sentir.
Restas-me tu para o entenderes.
Sem o teu abraço morreria.
Sem o teu olhar sofreria.
Sem o teu amor – pararia de respirar.