quarta-feira, junho 29

Espelho meu

Fujo e fugirei de espelhos. Não perderei tempo a perguntar: espelho meu, espelho meu quem é mais belo do que eu? Abomino-os, pois só espelham um rasgo da luz que me ilumina, te ilumina. E são eles os que nos abandonam quando a escuridão nos ladeia.
As pessoas são mais interessantes no escuro: as suas formas não toldam os nossos sentidos. Gosto de ti porque és bonita mas mais porque me fazes bem! Fazes-me bem porque me acompanhas pelas caminhadas da escuridão, mesmo sem te ver -sei que estás ai e que segues a minha alma, já que o meu corpo mal o vislumbras. E quando preciso, quero e desejo ver-te, uso os meus olhos – não preciso de ti: espelho.
Ah! Sinto-me mais confortável quando a minha luz, suavemente, amolece a emulsão de um qualquer rolo de 35mm. Pois, tolero que congelem o meu desespero ou o meu sorriso mas não suporto que o repliquem indefinidamente. Sabes: mal me vejo ao espelho – desde que me lembro de eu ser eu. Já desejei ser como tu, mas temia que não me amasses. Mas mesmo sendo eu o que sou e o que transpareço, temo que te canse ver a minha imagem, tal como me cansa ver-me ao espelho.
Não sou a imagem distorcida e enganosa que é enviada por um pedaço de vidro. Vidro que quando embacia mais mente. Vidro que quando curva mais ilude. Vidro que quando parte traz mau agoiro de sete anos. Sete anos são muitos momentos de vida e de prazer e sem um espelho por perto; desculpa, mas prefiro partir-te em mil pedaços, nem que os tenha de calcar com os pés descobertos (indefinidamente).

Já chorei à frente de um espelho;
Já me cortei com um espelho;
Já persegui a tua silhueta num espelho;
Já me perdi num jogo de espelhos.

Mato-te- texto com o que Raul Seixas escreveu:

Procuro-me no espelho
Enão me acho. Só vejo aquilo ali.
Parado. Um monte de carnes equilibradas
por ossos duros que me mantem em pé. Ali
no espelho. Eu sei que não sou aquilo,
e o que sou, o espelho não pode
me mostrar... AINDA... eu não brilho...
ainda...