quinta-feira, outubro 8

Junto a ti

Num sábado cheio de luz sente-se o sol a acordar o quarto. Estico um braço e procuro o relógio perdido. Recordo-me de te despir com a fúria de quem não podia esperar mais. De te agarrar com toda a força para sentir que eras minha. As minhas mãos exploravam cada parte do teu corpo – desejei que o mais simples toque se tenha transformado em puro prazer. As roupas e o relógio voaram. Nada era mais importante que o momento que vivia contigo.

Olho para o chão e a tua roupa enrolada na minha reproduz o que aconteceu aos nossos corpos. O relógio perdido – aparece. Já é bem tarde. Os normais já começaram a sua vida chata e já tiveram tempo para um longo almoço. Mas tu estás aqui com o teu corpo despido ainda entrelaçado no meu. As nossas mãos continuam a agarrarem-se com toda a força. As nossas pernas tocam-se e agarram-se na forma de um abraço.

Como eu gosto do teu corpo, penso eu em silêncio absoluto. Com todo o carinho do mundo: procuro soltar as nossas mãos. Num gesto de mimo coloco a tua mão sobre o meu peito. E penso: como eu adoro quando adormeces com a tua cabeça sobre o meu peito. Imagino que ficas a noite inteira a ouvir o meu coração a sussurrar: amo-te, amo-te, amo-te… Ontem não conseguimos, estávamos demasiado extasiados. Parece que esgotamos toda a nossa energia em dar prazer um ao outro. Levamos tanto ao extremo o nosso desejo, que no fim não restavam energias para mais nada. Adormecemos com os sexos ainda quentes e bem juntos.

Mas o desafio tem de continuar, preciso de acender um cigarro mas não te quero acordar. Consigo largar a tua mão, mas sinto-a a procurar-me de novo. Desta vez contenta-se em se deixar pousar, com a suavidade duma pena, na minha cara. Movo a perna esquerda mas a tua perna aproxima-se de novo: - Amor não te vou largar, sabes é o maldito vício de fumar …. Não te troco pela nicotina, álcool ou qualquer outra droga. Pois não conheço êxtase igual ao que sinto quando faço amor contigo. Acredita em mim, não temas.

Até ao momento soltei a tua mão esquerda, a direita está agora amparada no meu peito. A tua perna esquerda escorregou e libertou a minha. Em contrapartida a tua perna direita contenta-se em estar perto da minha. Abro o maço de tabaco, retiro apressadamente um cigarro. Acendo um cigarro e sinto o prazer da primeira passa. Observo relaxado o movimento caótico do fumo. Desvio entretanto o meu olhar para ti. Contemplo-te. Dormes profundamente com um sorriso bonito. Toco-te na testa, dou-te um mimo no cabelo. Não resisto e deixo que os meus lábios procurem os teus. Deixo-me cair na cama e suavemente abraço-te com os meus dois braços. Deixo-me levar. Tento que o meu olhar se canse de te admirar e consiga dormir mais um pouco. Mas tal não acontece. Não acontecerá.

quarta-feira, outubro 7

Viagem no tempo

Ainda me perco no meu pensamento como o fazia na adolescência. Viajo de olhos bem fechados até o colo do meu avó ou para as brincadeiras na areia com os meus pais e pequenos amigos. Já não tenho medo dos grãos de areia que insistem em magoar os olhos. Mas tenho falta de uma mão que me acompanha quando entro pelas ondas do mar. Ainda resisto ao creme solar da mesma forma que o fazia na infância. Ainda não resisto a aquele gelado que me acariciava os lábios com a sua doçura. Sinto falta daquele baloiço que me embalava numa tarde de verão. Onde a palavra parar – não era permitida. Cresci e agora a pele está mais engelhada mas deixo guardado – carinhosamente – dentro de mim as memórias e desejos de repetir o irrepetível.
Sinto muita saudade de todos esses momentos. Padeço de saudade do que não fiz. Sinto desconforto com o que fiz mal e não fui a tempo de reparar. E nem o dito: - é a vida, me traz qualquer tipo de conforto. A vida é o que nós fazemos dela, sempre a tentar, a não desistir e sempre com a esperança de conseguir. Para depois conseguir e vir a descobrir que o feito pouco vale. A insatisfação do viver é o picante (que quando não abusado) transforma a monotonia em algo delicioso. Os momentos amargos e os agridoces ajudam a escolher os temperos que procurámos, que mesmo sem saber – desejamos. Ajudam a entender os momentos melhores – que tal como o meu gelado derretem-se rapidamente, mas que com o avançar do tempo: deixam saudade na forma de uma doce memória.
Quem vive sem esta estranha forma de eterna insatisfação ou sem amor no coração – está morto.
Hoje tenho saudades tuas. Ainda há pouco te deixei à porta do teu trabalho. Deixaste-me com um sorriso, um abraço e um: amo-te. Como eu me derreto em silêncio, quando te vais. Arranco rapidamente – nunca tive jeito para despedidas. Dou por mim, logo de seguida, parado num semáforo verde – onde um mal-amado me buzina e dirige palavras de insulto. Interrompo os meus pensamentos e acelero.
Agora, estou agachado num canto da sala que me ajudaste a decorar. Passo os meus olhos pelas tuas fotos, pelas nossas fotos. Cada uma delas desperta um momento. Lembras-te como me abraçaste quando mal nos conhecíamos? Ainda hoje não entendo porque o fizeste. O tempo passa muito devagar, murmuro: - saudades tuas, meu amor.