segunda-feira, janeiro 28

Sin(Ema)

Foi num cinema na Praça da Batalha que já não existe. A tela rasgada, suja e queimada por horas de filmes projectados mantinha-se imponente. Os cinzeiros nas cadeiras lembravam um tempo passado. Os estofos viviam com o cheiro a mofo. O ruído da madeira velha que rangia a cada passo. Tudo compunha a cena num velho cinema que vivia a idade do charme.
A ti, vi-te na tela, eu e quase uma dúzia de outros homens que estavam sentados na sala. As mulheres também te admiraram. Mas, como não foram educadas a desviar o olhar da beleza do mesmo sexo, contemplaram-te sem pudor: sentia-se no ambiente da sala. O teu ar terno e os traços bem definidos do teu corpo– faziam de ti uma mulher irresistível. O tempero que faltava descrever era o da tua voz rouca e pausada. Inspiravas calma. Um simples gesto teu era o suficiente para despertar na sala um momento de tensão sexual. Sei que não é fácil encontrar uma mulher que desperte tensão sexual num homem, que ao mesmo tempo seja terna. Mas tu conseguias.
Agora, estás tu, parcialmente nua à minha frente, no meu quarto. É incrível o poder que uma mulher sem roupa consegue desenvolver. Parece que perde a sua fragilidade ao sentir que o homem que a olha – está perdido de desejo. Uma força que vem de poder: lhe dizer não, ainda; de o sentir a pedir baixinho para lhe tocar; a admirar o impacto da sua feminilidade em cada músculo e expressão masculina; a fazer esperar- o homem perdido e louco de desejo – capaz de a satisfazer como e quando ela o quiser. Quanto homens já fizeram o que não queriam por uma mulher? Acredito que os homens não têm esse poder, pelo contrário, ao se sentirem expostos – apressam-se a procurar o corpo da mulher, escondendo o que podem de si. Com um desejo louco de serem melhores que o anterior amante; a rezaram para que – pelo menos aquele momento – fique na memória da mulher a que cegamente querem sentir e dar prazer. A verdadeira euforia e mimo no ego masculino acontece sempre depois, nunca antes ou durante. As mulheres penso ser ao contrário. Mas o que saberei eu do sexo oposto?
Aproximo-me e fixo o meu olhar no teu umbigo: o equador do teu corpo; o epicentro do prazer; o momento da decisão chega. Devo toar-te nos teus seios, beijar-te indefinidamente até atingir os teus lábios que se transforam em veludo com o aumento da irrigação desse liquido vermelho que te aquece por dentro e que te prepara para me sentires fortemente. Ou preferes que com os meus toques, os meus gestos, o meu carinho desça no teu corpo e procure encontrar o gatilho que te dará prazer -o quanto antes. Ajuda-me. Pelo menos encaminha-me com o teu pensamento. Preciso. Quero. Desejo.
Um candeeiro antigo ilumina a sala, daqueles que parecem alimentados por velhas velas, mas não – sugam com voracidade toda a electricidade que podem para apagar ligeiramente a penumbra. Sentia o teu olhar, mesmo quando desviava o meu. Na tua mão uma cigarrilha soltava um tom laranja de brasa. Sentada e contemplativa, escondias-te num silencio que ecoava no meu interior. Por alguns momentos parecia que me abraçavas por dentro. Que não encontravas qualquer palavra que fosse mais forte que o teu pensamento e olhar. De seguida inspiravas o fumo e desviavas o teu olhar e o teu pensamento para longe. Como eu adoro uma mulher que me toca com o olhar; que me diz mil coisas sem sair uma palavra da sua boca; que me faz sentir um abraço sem me tocar.
Uma estação com nevoeiro. O ruído de um comboio que se aproxima e decide travar bruscamente. Ruído de pessoas que passam, quase te empurram. E tu, imóvel, com uma pequena mala de madeira na mão. Escondida pelos óculos de sol e pelo chapéu que usas. Tocas-me na mão. Soltas um doce beijo, daqueles que deixam os lábios adormecidos e quentes. E sais a passo apressado na direcção do comboio. A cada passo mais pequena ficas, até que te perco no meio da multidão que se aproxima, também, do comboio.
O comboio apita e logo arranca. Fico mais uns minutos imóvel. Deixo o meu pensamento solto e penso em ti, no que foi a nossa noite. Saio em passo apressado. Acendo um cigarro nas escadas. Aprecio o laranja da brasa. Atiro o cigarro e desapareço.