domingo, outubro 25

O copo de gin

Acordei na hora errada - os meus relógios mentiram. Por decreto todos os relógios mudam duas vezes por ano, os meus : não. Essa tirania parece esticar a noite e encolher o dia. O dia que vivo forçado e a noite que resisto até o corpo cair.
Os meus olhos pecam ao abrir. Nesse instante perco a minha ligação umbilical ao escuro.
Olho para o lado: Jacinto -o meu peixe - passeia no seu copo de balão. Ofereci-lhe esse pequeno albergue no Natal passado. A ausência de arestas evita que se magoe. O espaço apertado ajuda a que não se canse nos seus círculos infinitos. Não sei se corre para me encantar ou se o faz por tédio. Essa praga que também me atormenta. Espero que a essência do gin que lá pernoitou ainda esteja viva. Só assim o Jacinto será mais feliz. Viverás entorpecido no tempo. Perdoa -me: sei que preferias absinto como o Pessoa. Mas deixa, o gin perfuma mais a tua vida; acredita em mim.
Estico o braço - não estás lá. Paro, respiro : inspiro. Sinto o teu aroma nos lençóis brancos. Falta-me o teu abraço e o teu toque. Sabes amor, fico perdido quando não me perco nos teus braços. Fico com frio quando não me aqueces no teu corpo.
Quem me dera estar como o Jacinto. Mas estou sóbrio. Encosto o copo do Jacinto ao meu nariz : inalo. Tenho esperança que o sono venha. Apago-me. Sonho contigo. Sonho que fazemos amor de forma tresloucada. Os nossos corpos fundem-se num só. Quero sentir -te a gritar de prazer. A gemer baixinho, meu amor.