terça-feira, dezembro 29

A saldo

Podes entrar: estou em saldo.
Já estás nua na minha frente. Queres tu tocar-me? Hoje estou carente de ser tocado. Hoje preciso que me esmagues num abraço. Que a asfixia perdure o tempo suficiente para eu só poder sentir: amor e mimo. Sente como o meu corpo cobre o teu- como se de uma veste se tratasse.
Deixa-me aproximar: o que procuras? Estou bem perto, sente a força do meu abraço que te aquecerá. Sente o toque das minhas mãos no teu corpo. Fecha os olhos e deixa os nossos corpos deslizarem e ficarem unidos como se um corpo (apenas se tratasse). Usa o teu olfato e sente a minha essência em ti.
Não reages, sinto que procuras outra coisa. Aproxima-te, mergulha na feira das vaidades que vendem apenas angustia. Angustia XL, serve-te?
Sobe. Há uma feira de farrapos escritos por perto. Tenho também discos cujo reflexo riscado espelhará a tua bela cara e que entoam melodias quando carregares na tecla certa. Se o sentires e gostares – entenderás o significado de melodia. Aquela que ecoa – primeiro – nos nossos ouvidos, embala o coração e entusiasma a alma – mesmo a perdida.
Procura-me:
Queres encontrar-me? Procura: “A queda de um anjo” e lê-me na frase:

Eram as alegrias do primeiro amor, aqueles momentos de céu, visita dos anjos, que todo o coração hospedou na infância, na virilidade, ou já na decadência da vida.

Ainda não me encontraste? Procura num disco dourado e brilhante - o verso:

!Melhor que o amor
só mesmo o melhor
melhor que o melhor
só mesmo o mesmo
do amor
e melhor que o amor
só fazer amar”

Eu ajudo: tem escrito à mão: Sérgio Godinho. Ouve-me, se conseguires.
Continuas sem me encontrar. Não posso esperar mais, por mais que tente, por mais que queira. Ainda estou a saldo, mas não a salvo.