terça-feira, julho 14

(In)Temporal

Admiro na cama as estrelas do meu céu. Os olhos pesados piscam com o cintilar. Uma mesa ampara um velho livro. O pó acumula-se na página dezassete – a que tem a mais bela passagem de amor que alguma vez li:

“Os meus olhos não te encontram; resta-me seguir o meu coração – que sei que me levará até ti. Sê paciente, não sei se demoro. Ah! Por favor acena quando eu chegar - temo não te (re)conhecer.”

É um bonito escrito e que não me canso de ler. Foi-me entregue em mão na Estação de São Bento - uns meses atrás. Disseram-me (apenas) que era de alguém que escrevia para não asfixiar, que não queria ser entendido - nem lido. Que tinha prometido a uma amiga escrever um livro, escreveu-o e entregou o único exemplar à primeira pessoa que tivesse um olhar terno e de sofrimento por amor. Escolheu-me a mim. Nem tive tempo de lhe agradecer. Virou costas e correu loucamente, como quem já não lhe resta muito tempo para fazer o que tem de ser feito. Desde esse dia que o livro me acompanha para todo o lado, como amantes silenciosos – comunicamos pelo olhar.
As horas passam, mas cada segundo escalda. O meu corpo permanece imóvel. As minhas estrelas continuam a brilhar no meu céu – o único céu que tenho e que é só meu. O único céu que espero encontrar todos os dias quando me deito e não sei se acordo.
O telemóvel toca mas não o ouço. A campainha da porta entoa mas não a sinto. O filho da vizinha grita mas não lhe ligo. O vento bate com a janela mas não me preocupo. Escolhi esperar em silêncio que o tempo passe. Escolhi ficar deitado imóvel a viajar no meu pensamento.
Mantenho-me no escuro, a percepção dos dias a passar em nada me serve. Não preciso dessa sensação. Não preciso de saber que vivi mais um dia e como tal – é menos um dia que me resta para contemplar o meu céu.
Estou cansado, muito cansado – o tempo mói.