quarta-feira, setembro 9

Dia do sonho

O relógio grita. Acordo. Uma manhã cinzenta arrefece o meu quarto. Algumas gotas de chuva chocam com a minha janela. Sinto o corpo mais enrodilhado que os lençóis que me aquecem. Sigo a minha rotina: permaneço deitado a olhar para o tecto. Aguardo que os pensamentos acordem a minha mente. Não os provoco. Não tenho força para o fazer.
Fico a pensar no meu sonho. Apareceu do nada – como tanta coisa na vida. Só espero que com o tempo cresça e se transforme no todo. Enquanto prendo o meu olhar no vazio faço um esforço para me lembrar da tua cara no sonho. Foste personagem de um sonho e nem sei quem és. Conheceste-me à noite no meio de muita gente. Ofereci-te lumes. Fumámos juntos um cigarro. Conversámos ou melhor: falaste sem parar de ti. Eu só te contemplava ao perto. Ouvia atentamente o que dizias. Lembro no meu sonho – que fiquei preso aos teus olhos. Eram expressivos e de quem consegue conquistar o mundo, apenas com um olhar – o teu. Continuaste a falar. Eu (no meu sonho) só te contemplava. No sonho tinhas uma pronúncia do norte - irresistível.
Por um lado sentia-me perto de ti, como se já nos conhecêssemos. Senti-te perdida. Eu estava perdido. Não acreditei no início. Duas pessoas aflitas que se estão a afogar pensam em si -nem que o desejem- não conseguem salvar o outro. A maior parte das vezes nem se salva nenhum. Eu já estava há mais tempo no fundo: salva-te tu, pensei no meu sonho. Resta-me muito pouco oxigénio.
Uma foto inocente: acontece. Faço, fazemos pose. Não é difícil gostar de ti. Não é fácil negar-te um abraço. Aproveito-o muito. Não sei o que o resto do sonho me reserva. Sinto o teu olhar terno – perco a timidez e abraço-te com mais força. Até nos sonhos: o tempo voa. Como miúdos aventureiros descansámos numa soleira depois de um dia de brincadeira. Estás a meu lado – sinto-te. Timidamente a minha mão descola do meu corpo. Muito lentamente procura a tua. Num sonho tudo vale, posso arriscar – sei que o acordar me salva sempre. Agarras a mão, agarro a tua mão.
Num ápice passeamos pelas ruas do Porto, pela minha baixa. Enamorados, amantes.
Levanto-me, escolho a roupa mais próxima. Salto pelas escadas. Toco na rua. O dia continua cinzento. As pessoas correm e atropelam-me. Não me importo. A chuva acorda-me. Vou passar o dia à tua procura. Tens que existir. Tenho que te abraçar e contar o sonho quando te vir. Será que também tiveste o mesmo sonho. Espero, desejo que sim.