sexta-feira, novembro 25

Tempo distante

A manhã tarda em aparecer. Os candeeiros cansados ainda soltam luz. O alcatrão escuro é interrompido por riscas brancas numa sequencia desconhecida. Pé no acelerador, mão no volante e ombro a amparar-te. Poucas palavras se soltam da tua e da minha boca. Estás com pressa – acelero. Estou com vontade de eternizar a viagem – desacelero. “Está mau tempo, tenho que ir com cuidado”, digo eu, a soltar uma mentira piedosa. As placas azuis e frias desmontam o momento – cada vez mais perto. A distância é como o amor embebido: custa a chegar quando estamos com pressa, mas passa rápido quando procuramos eternizar. A distancia e o tempo são cruéis. Por isso os físicos arranjaram uma maneira de os relacionar. O tempo corre e cada vez mais perto. O tempo faz nascer ou morrer: a Joana nasceu às 13h do dia de Natal e eu perdi o meu vinil favorito numa festa de Carnaval, no ano passado. Lembrei-me agora do dia em que te conheci e senti um aperto no coração. Lembrei-me também do ano em que dei o meu primeiro beijo, foi entre a 2ª classe e a terceira. Veio-me à cabeça a dor que senti quando estive três meses em Paris a estudar e não te vi. Incrível como o tempo e a distancia estão sempre associados aos momentos: bons ou maus.
Já vejo as torres e as luzes: o aeroporto aproxima-se. Infelizmente não preciso de pedir autorização ao controlador aéreo para fazer a aproximação. Quem me dera, quem sabe ganharia uns minutos antes da violenta aterragem.
Paro e ligo os piscas. Um policia feio e com ar de quem não toma banho mostra com a sua linguagem corporal que não será condescendente. Saio, abro a mala e olho para ti. Quero ficar com essa fotografia na minha alma. Dou-te um abraço, dás-me um abraço e trocámos um olhar: um olhar dos nossos. Entrego-te a mala e dou um passo atrás. “Trata bem de ti”, exclamo pausadamente. “Sabes que não é o meu forte - despedidas…".
Espero que leves o meu amor no teu coração, penso em silencio.

Afasto-me, bato a porta e acelero o máximo que consigo.

quinta-feira, novembro 24

Acordar

Esqueceste o teu lenço na minha casa. Repousava junto à almofada que te amparou depois de fazermos amor. Certamente saíste tão apressada que nem deste conta. Apesar de te ter já pedido para nunca ires sem me acordares com um beijo: fizeste-o novamente. Abracei-me ao teu calor. Mimei o lençol encorrilhado pela forma do teu corpo. Aspirei com toda a força e sustive a respiração com a essência do teu perfume. Tal como num longo beijo em que me esqueço de respirar – mas nunca de te amar. Eu sei que combinámos que o nosso amor não seria igual aos outros. Que nunca deixaríamos um aloquete preso a uma ponte: os cadeados sufocam. Essas correntes e a sua ferrugem corrompem o brilho, a pureza do nosso amor.
Mas nada que digas justificará o teu descolar violento. Sinto que beliscas o meu coração, empurras o sentimento para o lado. Acho que estamos a levar demasiado longe este nosso desapego. Qualquer dia não sentirei falta da tua mão amarrada à minha enquanto passeio pelas ruas do nosso Porto. Viverei tantos minutos sem o teu abraço que essa minha dependência desaparecerá. Aquecerei os dedos dos meus pés com o calor do meu corpo e deixarei de procurar os teus para os entrelaçar. Poderei andar depressa no meu descapotável sem me perder com os teus cabelos que viajam soltos no ar. Quem sabe até me esqueço depressa de encostar a minha cabeça à tua durante o serão.
Os teus passos ouvem-se ao longe. Chegas ofegante. Dás-me um doce na forma de um beijo. Não me apetece escrever mais. Apago a luz do candeeiro, atiro a caneta para a mesa e quem sabe rasgarei esta folha amanhã.

segunda-feira, novembro 21

Vento de (Nor)te

Vento sopra forte e deixa-me as tuas palavras pela surdina. Esconde-as no meio dos silvos que se soltam dos obstáculos que habilmente cruzas. Tu que já sopras muito antes do meu primeiro choro; que viajas por sítios onde nunca estive e nem sei se estarei. E que viajas ao longo do tempo com uma energia infinita que certamente te faz saber o que mais ninguém sabe. Só tu consegues, duma vez, esquartejar quem te resiste. Sei que já embalaste o cabelo de quem amo. E sei que:

És tu que ouves as conversas dos amantes que se escondem entre as rochas num dia de tempestade e que têm medo que o mundo lhes roube - uma gota que seja – do seu amor.
És tu que secas as lágrimas daqueles que tudo perdem na tempestade do mar ou da terra e com dor se deixam cair.
És tu que empurras ou amparas quem num sitio alto se sente perdido.
És tu que empurrar o papagaio que eleva o sorriso duma criança que brinca.
És tu que levas e trazes os meus pensamentos quando vou ao teu encontro na areia do mar.
Foste tu que levaste sem rumo numa noite de Maio ao encontro de um abrigo.
Foste tu que abanaste Lisboa quando eu sentado implorava conselhos ao Douro.
Foste tu que geraste a brisa que entorpeceu o meu olhar – por mais do que uma vez.
Foste tu que ensinaste a apreciar o Suão.
Foste tu que te juntaste a um comboio para me fazer estremecer do coração até a espinha.

Só podes ser tu que podes empurrar as páginas do meu diário e me revelares o que aí virá: se a tempestade de inverno, se a bonança que vem quando te cansas e repousas sobre o mar.