terça-feira, março 15

Perpetua e Felicidade

Prometas que te deitas com o teu olhar? Não prometas – não quero que um dia tenhas de mentir.
Ficarei mais um pouco acordado: deixa-me ouvir a música que apunhala a minha cabeça. Os olhos que pesam e a alma que empurra o corpo para o chão: húmido e frio. Não ligues a estas linhas de hipertexto que não nasceram para viver o digital. Enquanto isso, um candeeiro pisca. Uma teia de aranha desce pelo teto – também à procura de um pouso. A aranha que a cospe vive cansada e amargurada. Cospe teia sem parar e sem direção definida. Quem nunca esperou uma boa surpresa do acaso? Mas a teia continua a oscilar no quarto. O vinil escorrega no fim da última pista num movimento perpétuo. E de perpétuo apenas conheço a morte. Por isso tudo que se arrasta na terra, desliza na água ou se deixa levar num sopro de vento – desconhece ou inveja: o perpétuo. Não me apetece parar. Não quero mudar o destino da agulha que solta o seu som, não quero desorientar a teia da aranha perdida, não posso, não devo. Os meus olhos cansados – já não enxergam como eu queria. O corpo mal reage: sabe que ganha mais com essa atitude.
Espero impaciente pela manhã que tarda. Não sei se esta perdeu o meu meridiano na sua vida e nunca mais aparecerá. O meu relógio, que o meu avô me ofereceu, insiste em não se mover também. Temo ter perdido a minha luz e o meu tempo. Viverei, doravante, com o resto do mundo – no escuro. No início iremos chocar mais – fisicamente. Iremos cumprimentar vultos desconhecidos que trespassam o nosso caminho. Pois vamos temer não cumprimentar um amigo ou um familiar; passaremos a cumprimentar todos os vultos que vencem a escuridão na nossa direção. As cores deixaram de ter sentido. Nunca na vida demos tanto valor ao tacto e ao olfacto – como agora. Não precisas de ser bonita, não tens de ser feia para encontrares o meu (perdido) coração. Só te peço que nunca toques na minha cara, não quero que as lágrimas que falham e em vez de se verterem no meu interior – rasguem pelas curvas das minhas rugas cruzem com as tuas delicadas mãos.
Ficará o pouco e o muito. Um abraço chegará para descrever o afecto, ternura ou amor do mundo inteiro.
Com o meu relógio parado e a luz que se esvaiu – ficarei deitado e imóvel, com tempo para pensar em tudo o que não quero e deixar de sentir a moléstia do tempo (?): tudo irá parecer durar uma eternidade – encontrarei não a felicidade mas a mentira da perpetuidade – que só me fará mais infeliz.