sexta-feira, outubro 14

Des(caido)

Escorrego numa folha fugidia que cai duma arvore perdida. Equilibro-me com dificuldade; esmago-a; sinto o esborrachar do limbo - de cada nervura que em tempos serviu de fio condutor para a vida. A seiva seca pelo capricho do Outono, já nem escorre. Acelero o passo e deixo-a – será o meu rasto. O vento sopra e levanta os fragmentos, cada um segue o seu caminho. Achas que alguém se importa? Livres e levados pelo sopro iniciam a sua jornada. Criados pela natureza, separados por mim – quase me sinto um habitante especial do Olimpo. Lembro-me do Neruda:

“Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.”

Revisito-te, fecho os olhos e sinto a tua fotografia. Passeio nos teus olhos, toco na tua boca – de propósito esbarro nos teus lábios. A preto e branco: sinto-te. És a minha flor preferida e não desvaneces no Outono. Desabrochas desde aquela Primavera que se seguiu ao meu longo Inverno. Agarrei-te pela mão e corremos. Fugimos da tempestade, fomos contra o vento, aquecemos com o frio e secamos com a chuva. Amarramos o tempo, deixamos escorrer o silencio redentor. Tão depressa vias a lua como me abraçavas no momento de despertar do sol. Nunca me vendas a ilusão, promete que me soltas, como se soltou aquela folha, no teu Outono.

segunda-feira, outubro 10

Dez

I.
O nevoeiro alimenta a minha vista cansada e esbate a imagem a preto e branco da madrugada que chega. Uma melodia morna aquece o frio dos ossos. Um pensamento vadio ressuscita o momento. Uma flor perdida empurrada pelo Outono -cai no meu pé. Escorrega amparada por um vento solitário que embala quem calha.

II.
Um destino que vive do acaso faz e desfaz a vida de uma pessoa. Uma solidão que ora escalda ou esfria a alma – faz sempre de conta que nos acompanha. Um pedaço de vidro que abraça a minha mão – transmite o frio que chega como um arrepio ao coração. Fecho os olhos e sinto-o. De que vale abrir os olhos se o mundo nem sempre é bonito? Olhas para o lado e reconheces a traição de um amigo, encontras lábios pintados que trocam saliva perdida ou cruzas com quem ama com preservativo.

III.
É preciso saber o que é estar só para se conseguir sentir o calor de quem vem. De igual forma: quem nunca se perdeu nunca dará lume a um caminhante que perde a luz da candeia; quem nunca sentiu dor de alma nunca soltará um abraço a um desconhecido que rasteja pela noite; quem nunca amou não entende quem engole poesia com toda a sofreguidão.

IV.
Acendo-te o cigarro e contemplo-te. Não precisas de falar. Sabes, os meus melhores diálogos foram (sempre) em silencio: articulei silabas com toques de mimo; ecoei a minha mensagem no meio de um abraço; pedi ao meu coração para soltar as exclamações; deixei (também) o meu coração marcar o ritmo dos parágrafos – que sem regras – controlam a tua a e a minha respiração. Como na telepatia comunico com o teu olhar – aquele que à noite vende o desconhecido e ao amanhecer reflete sem pudor a luz que se intromete.

V.
Não serão palavras soltas e malditas que me afastarão do meu sentir. Está em ti, está em mim acariciar o que foi parido pelo acaso. Não será um qualquer corpo vadio e despido que me expurgará do encanto que por ti – sinto. Perdidos aqueles que não entendem o significado do dez ou que fazem de mim – um pobre vilão. Caminharei –sempre - ao lado de quem me quer, enquanto me quiser. Mais que ler, quero sentir a força da poesia que brota do coração de quem já não precisa de escrever - mas sim de viver com amor.