segunda-feira, setembro 25

Immortalem

Fecho os olhos e deixo cair o corpo para trás. O vento forte e que aumenta com a velocidade tenta arrancar a alma do meu corpo. Ainda com os olhos cerrados deixo-me a flutuar. A linha branca intermitente é constantemente calcada e mal consegue sarar. È quando desligo os sentidos e vivo do sentido no momento, nada mais existe a não ser um corpo dobrado e solto que viaja por estradas onde o carro se perderia.
O medo que se escorre com a impulsão traiçoeira da velocidade, foi-se. Não temo o semáforo vermelho ou a curva apertada que colhe mais almas que amores perdidos que se refugiam no abismo escuro e pérfido. Prendo-me por momento a esta forma de imortalidade.
Só assim consigo sorver o palato da imortalidade. Só assim sinto que vivo. De vez em quando preciso de me embrulhar nesta trip vertida pela droga ardilosa da velocidade que me faz afrontar a morte de frente. Temos tão poucas hipóteses de a sentir durante a vida…
Sentia-a na adolescência quando saltava muros e não tinha cuidado com o cão. Onde aterrava – pouco importava. Corria, pulava e queria empurrar o mundo com a mão, mas não sabia bem para onde. Uma maça arrancada à força da arvore do senhor José e uma corrida desenfreada até tocar no horizonte com o polegar – anestesiavam os sentidos e faziam-me sentir como um Deus.
Os anos passam e a mortalidade vence pelo cansaço e como cobardes já nos rimos de quem brinca à macaquinha do chinês. Vendemos um ar sério e aprendemos a verter lágrimas por dentro, daquelas que queimam como ácido - o peito e a alma. A força (já) falta e deixámos a vida passar à nossa frente como num velho e desconhecido filme negro.
Mas, senti a imortalidade no dia em que o meu filho nasceu. Cortei-lhe o cordão umbilical e senti o sofrimento que antecede o seu primeiro arfar - só pode ser obra de um Deus. Dar-lhe colo; empurra-lo com a mão, erguer os braços e rezar para seja perfeito; largar-lhe a mão e sentir como caminha num monte de algodão; verter para fora a angustia das suas dores de crescimento e esperar pelo dia em que bate as asas e me acena (feliz) no fundo do horizonte, é único.
Que eu morra um dia no meio de um qualquer doce momento de imortalidade, é o que mais peço.