terça-feira, março 21

Rochas 10tratadas

O céu cinzento funde-se com o alaranjado de um sol que se despede. Este vai para outras paragens, sai de cena. Deixa a lua a olhar pelos apaixonados que se embalam nos grãos de areia e vai-se para acordar os que se perderam em sonhos. O mar amargo e salgado choca furiosamente com as rochas que lhe fazem frente. Estas resistem aos ímpetos, respiram do vento que lhes toca e resistem ao tempo. Mesmo quando se transformam em grãos de areia e servem de amparo para quem (tanto) precisa.

O entardecer instala-se. A lua ao fundo observa os corpos dos amantes que escaldam sobre a areia fria. A lua, ao contrário do sol, começa a altear; vive quando o dia tem fim. Cresce quando a luz se esvai e aparecem as verdadeiras cores estampadas nos rostos de quem vive, de quem passa. Silenciosa e no seu canto já viveu milhentos amores e desamores que tal como a areia se fazem fortes e formam uma rocha ou se deixam soltar e alimentam dunas desprotegidas de quem fez amor.

Como eu prefiro a praia no inverno. Desinfestada de grande parte dos humanos, apresenta uma camada lisa e bonita que se consegue enxergar ao longe. Quando nela caminho, deixo o meu rasto, o único rasto que se eu não for cuidadoso destruirá a harmonia da natureza. Parece feliz com o acariciar das ondas que na sua viagem fogem com destreza das rochas paradas no tempo.

Como eu gostaria que o meu corpo e alma fossem como uma rocha. Que os meus grãos de areia se desprendessem apenas na eternidade. Como eu gostaria de ser, por vezes, revolto como o mar. Que mesmo quando não sabe o que quer, continua a chocar com tudo e todos os que lhe tentam fazer frente, mas sempre sem desmerecer. Como eu gostaria de acariciar a noite e viver com ela as aventuras e desaventuras de quem vive num quadro sem moldura ou cor.