terça-feira, outubro 20

A minha chuva

A chuva invade a tua janela. O vento sopra forte. Na rua as pessoas encolhem-se debaixo do guarda-chuva. O vento abana as árvores e empurra as pessoas. Enquanto, eu fujo do meu reflexo no vidro da tua janela – distrai. Tal como o vento, empurra o meu pensamento para longe. As nuvens carregadas de cinza escurecem a luz do dia. Paro por momentos para observar as pessoas. Procuro contar os sorrisos que passam. Procuro contar os amantes que passam abraçados. Sinto cada gota que toca no vidro. Sinto cada minuto que passa.

Os meus pensamentos passeiam pelas memórias. Cada momento revivido solta um refrão perdido no meu ouvido. Mal me movo. O movimento desconcentra-me. Não preciso de me mexer mais. Apenas quando o meu corpo fraquejar – me deixarei tombar. Na queda quero – mesmo assim – manter o meu olhar na rua, nas pessoas, no vento e em cada gota de chuva que cai. O vento do norte continua a embalar a vida da cidade. Um gesto de uma criança desperta os meus sentidos: um acenar e um sorriso prende-me. Não sei se cheguei a responder com um sorriso a tempo. Agarrada à mãe foi afastada do meu alcance com fúria. Fúria de quem corre – já sem pensar.

Fujo de novo do meu reflexo. Dou uns passos atrás e apago a luz. Agora vejo a rua e ninguém na rua se apercebe. Perderei o sorriso de quem passa. Perderei uma qualquer troca de olhar meigo ou amargo. Não me apetece fazer parte da história seja de quem for. Quero ficar no meu lugar e parar de viver. Viver com o vivido pelos outros. Viver as personagens da minha janela. Daqueles que não me conseguem ver (a viver). Se for pretensioso, posso (sempre) fingir que me sentem. Quero e preciso de descansar de viver: imóvel no escuro.