quarta-feira, julho 1

A tragédia da Rua das Flores

Desço a Rua das Flores. Passo a passo calco a calçada cinza escura. As montras desfilam como fotogramas de um filme de amor – que passam e não voltam. A minha regra é não desviar o olhar; é pecado olhar para trás.
Duma janela, consigo ouvir o som de uma melodia do Caetano Veloso: estou triste, tão triste….
Fujo para a penumbra, quando me sinto com calor. Desvio-me para a luz, quando me canso da sombra. Fecho os olhos, sinto cada pessoa que cruza por mim, cada uma com a sua história (única). Em silêncio deixo-me entregue aos outros sentidos, viajo só.
Imóvel, sinto o corpo a baloiçar impelido pela brisa e pelo meu pensamento. Sinto a alma cansada de correr; continuo à procura do que não tenho, do que não senti ou experienciei. Concentro-me nas dores do meu corpo cansado (da caminhada) e por momentos sinto-me aliviado.
A voz do Caetano continua a ecoar, cada vez mais longe: eu me sinto vazio e ainda assim farto.
O lusco-fusco pinta o horizonte na forma de uma tela única e bela. Pouco a pouco a rua é iluminada pelos seus imponentes candeeiros, a penumbra funde-se com cada parco raio de luz. A Lua só, espreita. Uma a uma, o criador espeta uma estrela – cada uma com um nome e um significado diferente. Estas (ainda) servem para guiar os viajantes, os perdidos como eu.
A temperatura cai, a força falta. Paro, respiro fundo, fecho os olhos e abraço-te no meu pensamento.