terça-feira, julho 30

A Porta do Interior

A porta está entreaberta, alguns raios de sol atrevidos, perfuram e trazem um brilho ao interior. O soalho de madeira escura esconde lembranças das milhentas pessoas que entraram e acabaram por sair. O espelho turvo e basso apenas apresenta uma ténua imagem de quem por ele passa. O sofá onde tudo aconteceu, resiste, empoeirado mas continua a ser acolhedor como no primeiro dia. Não sei se a grafonola, ainda se liga e se consegue encher a sala de sonoridade como o fazia. A velha janela, bem ao canto, continua escondida por uns longos cortinados rasgados pelo tempo. Sobraram algumas capas de discos, esquecidas na correria da mudança e que agora partilham o espaço em harmonia, com algumas garrafas, que foram ficando residentes, e que no fim pereceram secas no soalho.

Este revisitar, aclara a minha imagem fotográfica do que foi o viver naquela velha casa. O meu olhar revisita cada canto, recolhendo uma imagem que se funde com a memória.

Descubro, na mesa, uma velha caneta que eu usei para escrever mil palavras de amor e de pedido de perdão por ter falhado.

Parece que ainda conserva o cheiro do nosso amor na sala.

Parece que as rugas do sofá, são como linhas duma mão, foram talhadas nos momentos de troca de caricias.

Parece que ainda revejo a tua silhueta, no dia em que te pedi que fosses embora, mais uma vez, senti que era tolhido. Vivemos uma paixão tão intensa, mas que se diluiu em poeira. Ficou o carinho, mas o amor não se atreveu a embalar a minha alma.

Parece, que tudo não passou de um revisitar ao meu interior. No fim bato a porta, desço umas escadas ingremes e estou de volta à minha vida.