terça-feira, março 5

No teu deserto

O deserto árido teima em queimar os teus pés, corres pelas dunas, sempre a olhar para trás. Temes que o teu senhor, aquele que é teu dono, descubra a traição e te magoe. A tua túnica clara e larga, está esvoaçante, escondendo as belas formas do teu corpo. O teu lenço esconde as tuas feições, ocultando a tua pele pura e bonita de todos os olhares. Se fosses minha, iria querer que toda a gente contemplasse a tua beleza e sentisse o brilho sincero e terno que espalhas, mesmo agora, quando passas com a tua cabeça baixa há um brilho que reflete em cada grão de areia iluminando o trilho por onde passas.

A areia quente e fina, dificulta o teu passo, transformando uma qualquer distância num caminhar eterno. Imagino-me, a reconfortar os teus pés, das agruras que passaram para vires ao meu encontro. A deslizar os meus dedos pela tua pele, pura e virgem que não conhece o olhar de outros e nem sequer o toque mágico do luar.

Trocamos olhares discretos e puros, na primeira vez que te vi, estava a deliciar-me com um chá, quando, o brilho da tua presença, mudou todo o cenário, mostrando-me como tinha sido insignificante o que sentia e sentira até aquele momento. Usei o pouco que sabia da tua língua, quando escrevi um bilhete e propositadamente o deixei cair, quando por ti passei. Era um pequeno papel amarelo queimado do sol, que eu arranquei violentamente do meu diário que me acompanha desde o meu primeiro dia de viajem.

Pensei que não vinhas ao meu encontro, sei que o teu senhor é severo e cruel para ti, que tens que inventar mil desculpas para saíres de casa e sentires um sopro de liberdade. Imagino como darás mais valor às pessoas que por ti cruzam, aos vendedores ambulantes, às buzinadelas infernais de automóveis que quase chocam com a tua bela silhueta e o que vale cada grão de areia que a tempestade te atira para a cara, te toca, acariciando-te, mesmo quando tens que levar uma mão aos teus lindos olhos para os protegeres.

O que te posso oferecer neste breve momento, em que as nossas vidas de novo se cruzam? Muito pouco, és pura demais para te vender promessas, amas demais os teus filhos para saíres numa aventura comigo e se te arrastasse, mesmo contra a tua vontade para o Ocidente, sei que te iria mudar e eu quero-te assim.

Não deixas de estar a trair o teu senhor, não deixo de pensar que tudo não passará dum momento, mas nem o sol escaldante e o medo de sem querer te fazer mal, me afastará de poder por momentos tocar-te, sentir o teu cheiro e o teu olhar de carinho. Ficará a lembrança, a esperança, a memória e a eterna dúvida de como seria se…