sexta-feira, outubro 4

Hell(sinki)

Num voo noturno para Helsínquia -anseio que o tempo passe e o pássaro pare de bater asas – quando encostado ao chão. Voar é sempre um ato solitário, és tu que mexes as asas ao teu ritmo; és tua que sentes o vento que te empurra e te auxilia no lino bailado da luta contra a gravidade maldita (aquela que empurra, aquela que te condena ao solo fio, pegajoso e sujo).
Encostado, fecho os olhos e penso naquele teu abraço de despedida. Num sorriso forçado que soltaste a fingir - o impossível de fingir. Se não voltar, pensa em mim – quando a lua te beijar com a sua luz.
O avião arranca, treme, acelera e sai para o céu. No meu lado: uma mulher asiática delicia-se com um livro que tem um homem nu na capa. Enquanto lê – o seu olhar tenta esconder um sorriso matreiro. Parece que vive ou sente a história, como se esta fosse sua. De repente para e encosta-se no banco e os seus olhos não resistem e fecham-se como aqueles portões antigos que batem furiosamente com o som do ferro que choca. Imagino que deve ter parado de ler depois de uma descrição pornográfica de uma noite de amor. Onde o amante que conheceu e a seduziu em Paris sai do quarto. E que de propósito deixa um lenço de seda caído no chão, daqueles lenços que os senhores decentes usavam na década de 60. Estava a sair e deixou também um beijo daqueles que se recebem em silencio, a fazer de conta que estamos a dormir profundamente – mas não estamos. Nessas vezes que mentimos para não deixar cair uma qualquer lágrima solitária. Sabe que, os seus corpos se enrolaram porque se tratava de um homem bonito daqueles que conquista uma mulher com o olhar desinteressado que espelha o seu interesse. Ela, por sua vez, uma mulher atraente das que chega sempre atrasada aos encontros amorosos – e que perde dois terços da sua vida a produzir-se. Se lhe perguntarem: estou certo que não saberá se o faz para ela ou como alquimia que entontece os seus amantes que depressa ficam preso à sua teia de aranha viúva. Imagino: desta vez terá sido diferente. Desejou ficar com um telefone ou um simples email, mas, por orgulho não o pediu e ele: nada. Os homens que entram e saem da vida das mulheres ao seu próprio ritmo – são os mais desejados, dizem elas. Entretanto, parece estar em sono profundo – o estado da vida mais parecido com o da morte e o sonho cai, desvanece. Com sorte terá uma pequena lembrança de manhã. Talvez.
Os estalidos nos meus ouvidos – dizem-me que estou no fim da descida de aproximação. Sim, estou. As luzes apagam-se. A agonia da descida para o aeroporto – sente-se na respiração de alguns passageiros. Já no meio da pista sinto a adrenalina da velocidade. Não tarda: as luzes acendem-se e a mulher a meu lado: acorda. Parece sentir-se envergonhada como se eu tivesse penetrado no seu pensamento. Levanto-me, tiro a mala e saio. Saio do aeroporto e aspiro o ar fresco de Helsínquia.