segunda-feira, março 6

Quando

A hora avança. Temo o nevoeiro que trespassa. Mas temo mais o serão que não passa. Salto do sofá num gesto acrobático. Verto perfume na carcaça que envolve a alma. Aperto um atacador perdido. Já chega: já conhece bem demais o chão que piso. Sopro, vendo o meu hálito para um espelho basso. Salto e pulo, desço. Uber para e acelera. Luzes intermitentes que me iluminam na janela. Pessoas cinzas que rasgam o nevoeiro. Um vendedor de castanhas que grita. Peço socorro no semáforo: o vermelho não foge, agarra a vida com tudo o que tem. Salto, pulo para fora: estou numa linda calçada escorregadia do meu Porto.
Luzes que me envolvem, já não são apenas vermelhas. Pessoas com a cara iluminada que passam: vão e vem como marionetas presas sem saber a que mão. Corpos perdidos e achados que já não ouvem nada e ninguém, espreguiçam-se ao som da melodia que intoxica a sala. Sorrisos vendidos ou encolhidos. Pessoas bonitas por fora, mas que escondem a alma feia. Corpos doces como o sal que senti quando te beijei no mar. Fecho os olhos e viajo pelo tempo. O tempo para e liberto-me do corpo, da dor. Já não sei onde piso. Já não sei onde vivo. Não escolho bem para onde viajo. Deixo-me ir, deixo-me sentir.
Quando eu morrer: que já seja escuro o dia; que os pássaros não parem para sentir o baloiçar do meu corpo; que as nuvens escondam as estrelas que nos mentem; que a musica não pare; que a única luz que vença a cortina que cai – baile ao som da musica que amo; que ninguém pare; que ninguém se lembre mais de mim.