quinta-feira, abril 11

Datsun X

Vi-te a descer a colina, a alta velocidade, no teu Datsun eléctrico que ecoa um saudoso rater.
Um lenço amarelo que baila ao som do vento descobre o teu cabelo longo e frisado. Passas por mim e nem olhas. E eu que te conheço há dez dias, dez anos, dez anos-luz, não sei. Conheci-te quando eras dos outros, foste minha de vez em quando até que decidiste ser minha. Na altura nem sabia (bem) se te queria. Digo-o, porque agora sei que te quero com mais força.
Foi um dia X lá para o meio do ano, numa altura em que os dias já cresciam e já tapavas os teus belos olhos com uns óculos escuros - ao cair do pano, ao nascer do dia, ao caíres de cansaço. Arrastávamos os nossos corpos esfarrapados para o primeiro táxi que aparecia. E acordávamos nus com o teu corpo enrolado no meu. E com o teu pensamento em mim, o meu pensamento em ti, enquanto pensávamos em nós.
Sentado numa pastelaria da baixa eternizo palavras de amor com rabiscos em guardanapos de papel que apesar de voarem com o vento, acabam por ser apanhados pela minha mão, acabam por repousar religiosamente no meu bolso, acabam por adormecer no meio de um caderno de recordações. De surpresa gosto de alucinar uma pelicula virgem de filme com a tua silhueta, mesmo quando não te apercebes. Compenso a minha fobia em autorretratos em “clicks” deliciosos de ti. Revelo, admiro e imprimo algumas. Gosto de as ter na parede e não num álbum escondido numa gaveta.
Só assim as posso rever quando acordo e desvio o meu olhar para a parede do quarto que testemunha as nossas loucas noites de amor.