quarta-feira, dezembro 2

Al Cool

O teu quarto está escuro. Não consigo dormir – dei o nó em pensamentos soltos e revoltos. Desisto de tentar e começo a admirar o teu tecto: não me é difícil imaginar o céu estrelado e brilhante. Um lampejo que ainda discorre momentos (perdidos no tempo) da tua adolescência:
- Sabes eu acredito que as paredes, móveis e tudo o resto que mora numa casa são como uma caixinha de música. A melodia que ecoam é a das lembranças e também a do presente; vibram duma maneira com os teus bons momentos e noutro timbre quando reproduzem as más lembranças. No escuro ou na luz sentimos essa melodia. Nem sempre o percebemos, mas ela está sempre presente.
Atrevo-me a mover uma perna. A cabeça está pesada. O meu hálito verte alprazolam e gin – o teu favorito. Aquela que sei que escolhes porque a garrafa é bonita. O tal que lança uma charmosa essência do meio do líquido capitoso. Sinto-me tentado a agarrar e inalar o máximo que consigo, tal como o faço com um frasco de perfume. Abraçado a uma água tónica lança-me numa dimensão diferente – anestesia a timidez; rói a monotonia até esta perder a força e se desfazer em mil pedaços – tal como um meteorito que encontra um obstáculo. E (ainda) amolece a consciência, aquela que de vez em quando nos persegue; a que tal como o criador nos penaliza nas más acções ou nos enche o coração nas coisas boas que fazemos.
Vou até a tua cozinha. Até te pedia permissão, mas sei que os teus belos olhos já repousam. Procuro uma fruta qualquer. Tem é que ser ácida para acordar. Esmago-a com a raiva de quem odeia a insónia. Junto-lhe sal – o sal, tal como o tabaco – faz bem ao fazer-nos mal. Quem é que consegue viver sem uma pitada de sal? A misturadora roda furiosa procurando diluir o todo. Acrescento água – não quero uma papa densa e monótona, quero conseguir sentir o meu preparado a escorrer suavemente da e na minha boca. Não tenho forças nem vontade de o mastigar. Cansa-me mastigar. Cansa-me respirar. Cansa-me, por vezes, viver.
Queria ser uma parede e vibrar harmoniosamente com a vida de uma qualquer família feliz. Daquelas em que o sorriso e o amor formam uma barreira intransponível.

- Sabes se existe isso, meu amor?
- Não te irei acordar, desculpa, mas … acreditas no amor puro?
- Por vezes sou um ingénuo, não sei se vivo a vida (impressa ou agarrada) numa página de um livro de poesia. Poesia daquela que alimenta e não destrói. Sabes?
- Esquece meu amor, dorme.

Vou juntar alguns mililitros do teu álcool favorito, preciso da sua energia e da sua força para diluir tudo e todos. Deixa-me só juntar um pouco de açúcar, quero que sintas um ligeiro trago de doce – quando acordares. Darei um gole – prometo- antes de te beijar. Hoje não usarei pimenta, mas não me esqueço. Para a próxima também a sentirás, juro!
Quando for a tua vez de padecer destas malditas insónias faz-me tu uma bebida. Não precisas de me contar que ingrediente usarás – só não me mintas. Dizes-me só: preparei esta bebida para ti e presenteias-me com um beijo, certifica-te que dos teus lábios escorrem – nem que seja uma gota do teu preparado.
Nunca te esqueças de juntar sempre a dose certa de sal e de açúcar. São estes os segredos de uma boa medida. Nunca os deixes esgotar e nunca os uses de forma descuidada. Deixa-te levar e encontrarás no teu coração a dose certa. Para de respirar, aproveita o escuro e deixa-te levar pela melodia ecoada pelas paredes.