quarta-feira, janeiro 27

Chá da India

O chá azedo jaz no quarto. A essência reinante funde o aroma a chá e alguns cigarros mal apagados. Uma caixinha de música (intoxicada) entoa num movimento perpétuo uma música do Bécaud - a mesma que ecoou quando te conheci. Disseste-me algum tempo depois de me conhecer, sentias-me: instável. O tempo passou e eu continuo sentado no mesmo sítio a olhar para a lua. Tu já não estás. Lembro-me do barco que passou no canal: estremeceste e abraçaste-me com toda a força. Abraçaste um desconhecido porque te sentias só. Eu deixei-me abraçar porque me sentia igualmente só. Mal a popa se aproximou – senti os teus lábios húmidos e quentes a chocarem contra os meus. Já estava perdido em ti e por ti.
Desde ai vivemos juntos à noite. Não quero e não queres saber o que eu sou ou faço durante o dia. Com quem estou, quem abraço ou quem me quer. Chegas sempre apressada, sobes as escadas e estas anunciam a tua chegada com um ranger meigo. Parece que murmuram ao meu ouvido o teu nome: Stephanie… Quando te encontrei nem sabia que escolheria Paris como pouso. Deixei-me ficar. E logo na segunda noite fiquei no escuro com receio que não me quisesses mais ver. Apareceste. Desde então temos estado juntos (quase) diariamente.
Durante noites a fio, bebemos chá e fumamos. Sempre juntos a trocar carinho e a olhar para a lua. Todos os dias lês uma parte do mesmo livro. Sempre na minha janela. Não sei que livro é e não quero saber. Chega-me ser teu, chega-me ser lido pela tua voz. Chega-me! Sei que não fomos os primeiros a colonizar a lua com um olhar apaixonado, mas fomos dos mais intensos. Na altura, a caixinha da música não tinha vontade própria – eras tu que lhe davas gentilmente corda e sorrias quando esta começava a tocar.
Hoje toca sem parar.
Hoje a lua na minha janela é só minha.
Hoje o chá azedo não foi bebido e os cigarros não foram mais fumados por ti.