terça-feira, junho 14

Tons de cinza escuro

Assustei-me: vi o céu escuro. Olho-me ao espelho, mas a ausência de luz borrata o meu reflexo – como se de um quadro inacabado se tratasse. Senti por momentos o meu avô a subir a colina na sua velha carrinha Peugeot. Lembranças assaltaram-me a memória: o choro da minha avó – toda de preto – enquanto dele se despedia pela última vez. Revivi as noites de perdição, onde vielas escuras me levavam até ao Gin que rima mais ou menos com Fim. Desmanchei-me a chorar com a lembrança do pano preto a cair (estrondosamente) e a fechar em dor aguda a última cena sofrida da Madama Butterfly.

Visitei os momentos passados onde me refugiava em roupas pretas porque a cor me irritava (profundamente). Passei o filme de quando acabei tudo contigo: estacionei o meu Jaguar preto na sombra e encontrei-te - linda de morrer; encostada a um pequeno muro negro e a fumar: o cinza escuro do fumo do teu cigarro pecava ao encobrir a tua linda feição. Pouco falámos, pois senti a voz amorfanhada – como se um cordel me apertasse a garganta e o coração - simultaneamente. Mal consegui respirar. Mal consegui soltar um gemido, daqueles que dizem tudo sem nada dizer. Trocámos um abraço e um último olhar. Correste para longe de mim com o teu vestido preto solto com o vento. Deixei-te ir, deixei que partisses de vez. Já não te consegui prender mais: perdoa-me.

Desapareci por uns tempos e dei por mim a passear numa praia da Madeira a calcar milhentas pedras ásperas e pontiagudas: daquelas que ao magoarem afastam (um pouco) a dor do coração e da alma: todas elas escuras – tal como a cor da minha alma na altura. Acordo dos meus pensamentos: o céu continua cinza agreste. A névoa retira a cor da imagem que contemplo da minha janela. Acendo um cigarro e perco-me na minha perdição. O escuro do dia embala-me de novo numa viagem pelo vivido. Anseio pelo luar, pela companhia da lua e pela luz brilhante que encandeia, mesmo num qualquer dia cinzento.

segunda-feira, junho 13

Toque

Deixa-me aproximar de ti, quero sentir e tocar-te.
Preciso de acariciar e sentir a palma das tuas mãos.
Senti saudades delas, sabes.

Deixa-me desvendar as linhas da tua mão,
não preciso de ler o transcorrido.
Mas queria passear com o meu dedo nos teus trilhos,
como um viajante que caminha sem se cansar.

Sente a doçura e a leveza do meu toque,
fecha os olhos.