quinta-feira, janeiro 7

Fuga da sombra

Perdi a sombra. Foi-se na penumbra. Levou-ma o vento. Deixei-a solta num dos milhentos antros onde repousei. Agastou-se com a erosão do tempo e foi-se. Desde então fujo da luz do dia. Transformei para isso o meu dia num dia ao contrário das pessoas – ditas – normais. Durmo do amanhecer ao pôr-do-sol. Quando acordo, espreito timidamente pela janela. O meu olhar treinado no escuro sente uma dor forte sempre que vislumbra algum raio de luz. Se isso, acidentalmente, acontece a dor trata de os fechar e volto ao meu escuro.
Escolho a minha roupa à pressa, abuso do preto. Adoptei o preto. É escuro e discreto. E quem é que precisa de cor quando não tem luz? Bato a porta. Desço as escadas a correr e paro na rua. Desligo o meu pensamento e passeio pelas ruas e vielas do Porto. Já não vou aos antros do passado. Cansei-me deles: caminho. Nunca paro, caminho, caminho. Caminho até ficar ofegante. Só ai paro, procuro o amparo de um passeio e sento-me. Não perco tempo e desvio o meu pensamento para o lugar (em si). Imagino como seria uma fotografia tirada por uma máquina que reproduzisse o que os meus olhos vêm; que não usasse flash que aclara o todo – queimando o que não pode. Fotografo sem parar, na minha cabeça ouço uma série de clicks. Armazeno o momento no meu pensamento – é um dos truques que uso. Guardo religiosamente os negativos no meu subconsciente – nunca os irei revelar.
Quando a hora avança, fujo a correr. Agarro-me às minhas últimas energias e só paro debaixo dos lençóis, longe da minha sombra.