sexta-feira, julho 8

Velocidade furiosa

Soltas a mão. Fico só com o breu; a maresia acaricia-me o corpo; a lua – ao longe – lança-me um mimo; o vento frio aquece-me. Viro-me, espreito, procuro e nem um vulto vislumbro. A areia fina grudasse nas minhas mãos – suplicando (em silêncio) para que eu não a largue. Sentado, vivo o momento: fecho os olhos, mais que mar só mesmo amar. A espuma salgada bate e bate, sinto um salpico nos lábios – como se sentisse um beijo. Um farol, ao longe, espreita: escondo-me.

Acorda, peço-te. Sente a minha mensagem telepática: - Estou aqui!
Corre, solta-te – espero por ti.
Ainda é apenas uma da manhã, sabes – tens tempo de vir.

Leva-me no teu carro branco, acelera – nunca traves nas curvas. Preciso de abrir o teu vidro – não deixando cair o copo. Ligar o teu rádio no máximo e sentir a riscas brancas que aparecem e fogem. Nunca saias do meio da estrada – desejo calcar essas linhas que insistem em nunca acabar. Olha, vem aí alguém a alta velocidade, não te desvies já – espera pelo momento certo. Não quero que morras – quero apenas sentir o momento. Acelera contra o vento – não temas! Reduz para quarta, não gosto da última. Abraça com força o volante : nada temas.

Agarro-me ao meu cinto e sinto. Acelera senão vomito.
Abraça-me agora e no fim. Acelera senão choro.

segunda-feira, julho 4

Quando eu morrer

A janela é o meu miradouro. Os candeeiros um a um escondem a sua luz enquanto – bem ao fundo- o sol acorda. As marcas do meu caminho noturno, suavemente, diluem-se com a minha memória. O muro que serviu de passagem para mim, começa a deixar de estar frio. O trilho servirá de passagem para um qualquer novo aventureiro: destemido. Os rostos que comigo foram cruzando, embalam agora num sono sem fim. Pensamentos passam por mim: na forma de fragmentos (do vivido). Pé ante pé vou caminhando e fugindo dos pedaços de vidro partido que me teimam em cortar.
Ao longe um comboio -apita. Rasga a alta velocidade a neblina matinal que esbate com carinho as cores da natureza e das casas de pedra que rasgam o horizonte: o verde fica mais claro, o azul aproxima-se da cor dos teus olhos e o cinza da pedra fica num tom carregado, agreste – talvez triste. Em pensamento passeio pela estação. Sempre adorei estações de comboio até te conhecer. Os azulejos azuis na parede resistem com fervor à erosão do tempo. Um relógio imponente arrasta com sofrimento os seus majestosos ponteiros impondo o ritmo das pessoas que entram e saem – algumas sem saber para onde vão, ou melhor para onde querem ir. Arrastam pesarosas malas enquanto correm a passo para os degraus de uma qualquer carruagem. Eu escondo-me sempre na última carruagem que chega, quero ser o último a partir; aquele que tem mais tempo para sentir os acenos do adeus. De ficar a pensar nos olhares tristes de quem chora por perder a proximidade do amor de quem parte. Mas acima de tudo de ter mais tempo para ler os teus olhos e ganhar coragem para deles me desprender quando o comboio impiedosamente iniciar a sua marcha, estraçalhar pelo ventre o ar que o impele a ficar; o mesmo ar que eu implorei para resistir até a última molécula e ajudar a que inércia nunca seja vencida – nem mesmo num pesadelo.
Quando eu morrer que seja num belo dia de sol depois de te vivido vinte e tal horas sem deixar os meus olhos se fecharem, num dia em que os comboios, aviões e tudo que arranca com dor as pessoas uma das outras sucumba violentamente e deixe de existir. Numa espécie de praga que extermina tudo o que serve para afastar as pessoas. Que seja no primeiro dia de milhões de dias em que a ciência desesperada não consegue encontrar um único antidoto que reverta o triunfo da inercia. Que seja o primeiro dia da vitória do amor sobre tudo o resto. Que seja num dia em que o meu coração transborde tanto de amor que a dor da morte pareça uma picada de um pequeno pássaro que se alimenta na minha mão; valerá bem a pena sofrer - para não lhe tirar a vida e deixar viver o canto que alegra quem por ele passar.
Só quando eu morrer – largarei a tua mão, quando o sangue que me empurre pare de fervilhar e deixe a minha alma em paz: incapaz de te tocar mas ainda capaz de te amar.