terça-feira, maio 3

Ampulheta que mata

Acordo cedo para ver o nascer do sol e sentir o acordar dos pássaros. A brisa embala-me no novo dia que nasce. Esqueço que existo, deixo-me voar da minha janela. Alguns pensamentos encobrem o sol como nuvens malditas que entopem o sol. Faltam-me asas para esquecer. Os cortinados mimam-me com o seu toque. O som ressuscitado do vinil ecoa fortemente. A temperatura aquece o meu corpo. Um lençol branco rasteja no chão depois de uma noite mal dormida. O meu chá frio verte o seu tom dourado sobre uma chávena branca. Sombras na parede brincam com as formas que criam. O meu olhar perdido procura uma referencia no horizonte. Perco-me nas ondas do mar que - ao longe - parecem também morrer.
Não me apetece falar mais. Quero vender o meu silencio em pó. Quero dizer o que sinto sem usar qualquer silaba tónica, sem conjugar sons que são entendidos por quem está (suficientemente) perto.
Não tenhas medo - aproxima-te. Procuro o teu cheiro. Tira a roupa: abraça-me. Esquece que esqueceste os teus problemas - só assim deixaram de existir (por momentos) na tua cabeça. Entope-me com o teu sorriso. Espalha o teu olhar - faz com que ele seja a luz que ilumina. Preciso dele: a minha candeia esmoreceu. Cede-me o calor do teu corpo. Está quente lá fora mas estou gelado. Deita-te a meu lado - encosta a tua cabeça à minha. Escolhe a intensidade do teu abraço: só assim irei ler a tua alma. Toca-me; faz-me uma caricia - alimenta o meu corpo.
Desliga o tempo - tu consegues. Dança comigo: sente a melodia da vida. Fecha a cortina. Fecha os olhos. Deixa-te levar à velocidade da luz. Congela. Dispara o obturado. Congela o momento, descola-o do maldito tempo. Deixa-te levar nesta eternidade que fica. Deixa-me congelar os bons momentos. Quero parar o meu tempo - nesses momentos. E fugir amedrontado de tudo o resto: não quero, não preciso de mais. Bate com a ampulheta com toda a força na minha e tua alma.

Abraça-me!