quarta-feira, outubro 7

Viagem no tempo

Ainda me perco no meu pensamento como o fazia na adolescência. Viajo de olhos bem fechados até o colo do meu avó ou para as brincadeiras na areia com os meus pais e pequenos amigos. Já não tenho medo dos grãos de areia que insistem em magoar os olhos. Mas tenho falta de uma mão que me acompanha quando entro pelas ondas do mar. Ainda resisto ao creme solar da mesma forma que o fazia na infância. Ainda não resisto a aquele gelado que me acariciava os lábios com a sua doçura. Sinto falta daquele baloiço que me embalava numa tarde de verão. Onde a palavra parar – não era permitida. Cresci e agora a pele está mais engelhada mas deixo guardado – carinhosamente – dentro de mim as memórias e desejos de repetir o irrepetível.
Sinto muita saudade de todos esses momentos. Padeço de saudade do que não fiz. Sinto desconforto com o que fiz mal e não fui a tempo de reparar. E nem o dito: - é a vida, me traz qualquer tipo de conforto. A vida é o que nós fazemos dela, sempre a tentar, a não desistir e sempre com a esperança de conseguir. Para depois conseguir e vir a descobrir que o feito pouco vale. A insatisfação do viver é o picante (que quando não abusado) transforma a monotonia em algo delicioso. Os momentos amargos e os agridoces ajudam a escolher os temperos que procurámos, que mesmo sem saber – desejamos. Ajudam a entender os momentos melhores – que tal como o meu gelado derretem-se rapidamente, mas que com o avançar do tempo: deixam saudade na forma de uma doce memória.
Quem vive sem esta estranha forma de eterna insatisfação ou sem amor no coração – está morto.
Hoje tenho saudades tuas. Ainda há pouco te deixei à porta do teu trabalho. Deixaste-me com um sorriso, um abraço e um: amo-te. Como eu me derreto em silêncio, quando te vais. Arranco rapidamente – nunca tive jeito para despedidas. Dou por mim, logo de seguida, parado num semáforo verde – onde um mal-amado me buzina e dirige palavras de insulto. Interrompo os meus pensamentos e acelero.
Agora, estou agachado num canto da sala que me ajudaste a decorar. Passo os meus olhos pelas tuas fotos, pelas nossas fotos. Cada uma delas desperta um momento. Lembras-te como me abraçaste quando mal nos conhecíamos? Ainda hoje não entendo porque o fizeste. O tempo passa muito devagar, murmuro: - saudades tuas, meu amor.