sábado, julho 1

Escritos desagregados

Como eu gosto do entardecer da noite. Se os deuses me dessem uma chance: morreria quando a noite envaidecida se despe e apenas deixa o seu - tacão alto vermelho - à vista de quem quer. Pinos no céu exibem mil constelações, somente para quem as quer sentir.

“Morreria de amor por ti”, escreve o poeta louco; é sentida pelo amante ingénuo e despido de caroços, ínguas ou espinhas (de peixe podre) no seu tenro coração. O que importa se o que importa já se foi: morreu no mofo dos livros e nas línguas afiadas de vendedores de mentira que brotam sucesso no meio da crise de meia idade da humanidade infamemente perdida. Espera- que tudo pare! Ouve as bolhas de espumante francês rasca a subir e a subir – para de seguida estalarem num ventrículo escangalhado, mas sem antes passar na seiva vermelha que (também) atravessa os (maus) fígados. Será por isso que já não se morre de amor?

Será que sou o que quero ou sou apenas uma réplica chinesa feita num vão de escada por uma criança com os olhos em bico; que no intervalo de três minutos verte os olhos nos livros de Rose ou Friedman. Como é algo que venera e aspira, devora o livro com as mãos ensanguentadas como quem se perde num romance de cordel que amarra o tule às letras do Marx.

Não contei as estrelas, ontem. A visão turva mentia-me ao som da brisa exal(t)ada dos corpos que se fundem e se fodem na escuridão. Quem nunca foi um homem temporariamente só - que atire uma pedra à Maria Madalena, essa, a tal, que mal se mexe num vestido negro que lhe rasga as costas e lhe oprime a alma. A luz negra ajuda a que pareça mais boita. Filas de homem correm na sua direção. Como dizem os escritos sagrados: a prostituta estava embriagada não com vinho, mas com o sangue dos mártires. Putas, paneleiros e travestis descabelados por shampoos de silicone também merecem a luz da noite.

Decreto-lei: felizes os que abraçam com sorriso o perfume da manhã, que sentem o mimo sentido duma amiga como quem é abençoado por um milagre, que não precisam de cuspir a raiva num dia de vento; que amam sem medo de terem o coração fodido mais uma vez; que vibram com o piar dos pássaros madrugadores; que não vertem sêmen conspurcado numa vulva choca e perdida. Por isso, há esperança na ilegalidade do comportamento (des)humano.