quarta-feira, maio 31

Xi de perdição

Uma teia revoltada serve de adorno para uma parede fria. Desvio o meu olhar - aparo a barba branca e esmago um pouco de creme contra a pele da minha alma. Gotas escorregadias de uma essência embalada num bonito frasco de vidro (reciclado) aromatizam e abafam o cheiro profano a azedo. As minúsculas moléculas do ar circundante parecem ficar mais felizes que eu. São essas as minhas companhias (actuais). Fica tarde: não sei para quê. Bato a porta e deixo-me descair até à rua.

Esbarro numa estranha que nem se entranha. Paro e olho-a de cima a baixo. Despido de medo e de fervor: abraço-a. Ela resiste, mas mal fecha os olhos deixa-se. Num passeio sem fim tocámos suavemente na calçada portuguesa: fria e molhada - ofereço-lhe colo. Ela recusa com um sorriso. O céu escuro e estilhaçado por belas estrelas serve para um delicioso desvio de olhar. As palavras esganiçadas foram-se. Jazem numa sepultura térrea como a de um pobre indigente. Quem quer saber? Toca-me, aquece-me o corpo: isso basta.

Ainda penso em ti, perdi-te no meio de ditos e pragas vociferadas pelos habitantes da terra de Dante. Guardei a tua foto no meu telemóvel, sabes? Por vezes só paro de a admirar quando a bateria se esvai e te transforma num fundo escuro. Espero que estejas bem e que sejas feliz – como pensei fazer-te. Milhentas imagens de felicidade (contigo) escorrem pelo meu pensamento. Sabes, ainda espreito, muitas vezes, as mensagens do Hangouts. Lembras-te: uma veste foste e voltaste lá. Mas só encontro registos do que se foi e do que podia ter sido. Todas as noites antes de adormecer, mesmo quando os vapores me fazem transcender, envio-te um xi de coração.