terça-feira, fevereiro 7

Telefone antigo

- Desculpa, mas agora tenho de desligar! Trilho violentamente o fio e deixo cair o auscultador. Interrompo o fluxo de eletrões que trepam pelo cabo e se esborracham nos meus tímpanos. Não me entendes? Apenas quero ouvir os teus olhos. Quero sentir o vibrar das tuas cordas vocais com a tua boca colada à minha. Anseio sentir o teu respirar quente perto do meu. Preciso de sentir o teu corpo a pender para o meu.
Deixa-me desapertar a tua blusa, tocar nos teus mamilos como na primeira vez. Fecha os olhos e abraça-me. Perde os teus pensamentos. Perde os sentidos. Escolhe uma estrela e faz dela a nossa estrela, como só os apaixonados conseguem. Junta a tua mão à minha e sente como estas brilham ao luar.
-Desculpa, mas não te atenderei mais o telefone. Esse artefacto frio que só sabe tocar desesperadamente - sempre quando menos imaginámos. Que serve para dizer: - desculpa, mas hoje não posso. Onde a emoção nunca verte na sua forma pura (e despida). Onde o “onde” é onde quiseres. Onde os olhos se refugiam por de trás de uma linha negra que se estende até aos confins. Onde te volto a ver: quando puderes.
Agarro-me ao teu retrato. Fui eu que te fotografei. Estavas linda e feliz. Tínhamos acabado de chegar do Norte. Sei que estavas apaixonada. Por isso te fotografei, por isso fui arrogante ao ponto de querer imortalizar o momento. Sabendo que mesmo que um dia – os nossos destinos embarquem em caminhos que se cruzem apenas no infinito, terei esse momento de felicidade impresso num simples papel. Não haverá bolor ou humidade que consiga corroer esse momento teu, meu, nosso.
Desculpa, acordei mal. Ultimamente acordo sempre mal. Tenho fastio das manhãs. A manhã vem sempre depois da noite com a mesma inevitabilidade da morte aparecer depois da vida.