quarta-feira, fevereiro 1

Amantes num ciclone

A tempestade mente, esconde-se numa falsa quietude. Sente-se um vento fingido que insiste em soprar os teus cabelos para longe de mim. O frio sente-se. A luz filtrada por um céu lindo mas carregado, mal ilumina a vista. Mil pingas dispersas de chuva iniciam a sua queda no abismo. O ciclone (danado) acorda e empurra as arvores que já pouco têm a perder: poucas folhas se soltam; alguns ramos fragilizados resistem ao bailado imposto. A pornografia subsiste: um arbusto fustigado mostra para além do verde que o cobre; uma gabardine que se levanta e mostra uma saia rasgada; um cortinado que levanta e mostra os corpos de amantes que se esfregam.
Ao longe um relâmpago atinge o mar: um ruido ensurdecedor espalha-se e logo se seguida: sinto o meu chão a tremer. Abraço-te enquanto brinco com o teu cabelo. Temo pelo chão que treme e ainda nos sustenta. Temo pela luz que nos cega, também. Presos e juntos à janela tocamos no corpo um do outro. É um privilégio de sermos amantes: podemos fazer amor enquanto o mundo lá fora parece acabar. Minutos frenéticos passam devagar. Acolho-te agora no meu peito. Procuro o teu olhar. Já tenho o teu toque. Fechas os olhos, com um olhar meigo e adormeces. Lá fora a tempestade rende-se, desiste, vai-se. A minha mão passeia – como que à cabra-cega – à procura do livro que me embala, o cansaço é extremo. Inicio um poema que não termino:

“Teu corpo veio a mim. Donde viera?
Que flor? Que fruto? Pétala indecisa...
Rima suave: Outono ou Primavera?
Teu corpo veio como vem a brisa... “