sábado, setembro 27

A noite vive só

Dormi mal. Pensei em ti. Perdi horas de sono a vaguear pelas ruas (frias e fatais). Cruzei com pessoas perdidas, tal como eu. Milhentos copos (e corpos) são violentados por luzes frenéticas e brilhantes, que teimam em rasgar a escuridão.
A escuridão assusta, mas protege os solitários – arrefece a alma que o Sol aqueceu. E, acorda o meu vulto, esconde o meu rosto: transforma o que a luz insiste em expor (promiscuamente). O escuro é ainda um vício (bom): lembra-me do teu olhar terno, assustado e misterioso, que tanto me inebria – me perde.
Já estou em casa, na nossa casa. Encontro um cabelo solto, teu; a tua essência repousa no lençol – que afago com toda a força. Dou por mim, a beijar uma encorrilha, trilhada durante o teu sono. Estou cansado. Mas, toco (ansiosamente) no livro que me emprestaste, espero sereno, ver o reflexo dos teus olhos claros.
Agarro com força, toda a força que me resta, a pulseira: sim, aquela que docemente me ofereceste. Procuro sentir cada milímetro de entrelaçado: o entrelaçado que representa o entrelaçar dos nossos corpos, em especial do nosso coração.
O meu corpo, já pouco resiste, estou sem ti. Apago a luz, amarro-me à (tua) almofada. Brinco ainda com o teu cabelo, este, mantém-se fiel a mim: parece querer fazer parte de mim, ele que já foi teu, se perdeu e encontrou-me. Sinto (?) os teus lábios quentes, parece que ao longe, se atraem.
Fecho os olhos, deixo-me levar pelo pensamento: caminhamos abraçados, descendo, a Rua das Flores. Beijo-te. Beijas-me. Toco-te para um mimo. Retribuis. Suplico abraça-me: abraças-me. Estamos numa esplanada, a nossa esplanada, lembras-te?
Está um belo dia, o silêncio impera, apenas rompido pelas conversas de quem nos rodeia, a brisa mal existe. Lembras-te, nesse dia percebeste, percebi que o amor existe: desencarcerado do passado (de dor).
O tremer dos nossos corações é a nossa batida temporal. O sol parece querer ir-se, por hoje, está na hora do beijo e do abraço de despedida – não temas, não será a definitiva. Corto o momento – para menos sofrer-, corro de forma ofegante para o metro. Lentamente, perco o ecoar das tuas palavras, deixo de sentir o teu coração, foge-me o som do teu doce respirar; não resisto, paro -tenho que parar; olho para trás e vejo o que nunca vi: o teu olhar terno e triste, acentuado pela dor da despedida, da dúvida, do medo de voltar a amar. Nunca, nunca o esquecerei.
Enroscado à tua almofada, deixo-me ir.
Dorme bem, meu amor.